COBRAS E LAGARTOS

You are currently viewing COBRAS E LAGARTOS

Edição n° 33

Por Adailton Ferreira

cobras-e-lagartos

O menino perguntou para o pai, homem matuto, mas de espírito paciente e bom:

__Pai, o que é eleição?

__É um troço esquisito, meu filho; um bicho sem pai nem mãe.

__Mas tem cobra nesse dia, pai? Bicho que morde a gente?__ falou o filho mais novo, entre os outros três.

__Tem, meu filho. Tem cobra engolindo cobra e também muito lagarto__ respondeu o pai para o menino, que arregalou os olhos como se estivesse visualizando um outro mundo. Estavam todos na sala, o pai se divertiu com o olhar espantado do filho. Os outros dois irmãos, bem mais velhos, quiseram rir. O pai fez que “não”, os meninos entenderam a intenção. E para apimentar ainda mais a conversa, o mais velho emendou:

__Eu é que não quero mais ver. Teve eleição que quase fui picado por um lagarto grande, e também por uma cobra. Era de um comprimento que não dava nem pra ver.

O caçula quis encolher-se todo. Apertou os lábios, e se não era de nojo, era de puro temor. Olhou para o pai para ver se ele confirmava a história do irmão mais velho. O pai fez que “sim” com a cabeça. Contudo, tentou melhorar o assunto, queria dar um desfecho melhor para a história, ajustar a moral aonde queria chegar. O menino era de tudo inocente, mas com jeito, queria tentar. Matutou um pouco, depois disse:

__Mas é por isso, meu filho, que eu e mais um bocado de gente vamos sair para as ruas, hoje, à cata desses bichos. Uns correm, outros ficam. Os bichos que ficam, a gente faz virar gente. É, meu filho, bicho também vira gente! Tem uns que é para sempre, tem outros que é por instantes!…

__E os que correm, meu pai? O que é que se faz deles?

__Estes, menino… Estes fogem para o oco fundo da terra. É um lugar onde só tem bicho. Uns comem os outros, até não sobrar nenhum. O último morre envenenado. Você precisa ver!…

O menino exprimiu um “arre”, “Deus me livre”, e fui procurar a mãe na cozinha.

O matuto sorriu intimamente; sabia que não era bem assim. Mas por fim sorriu, sorriu abertamente: “Um pouco de graça na vida da gente, seu moço. Um pouco de graça, faz mal nenhum!”, finalizou.