BRONQUITE HEREDITÁRIA

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Edição n° 30

Por Adailton Ferreira

 

bronquite-hereditaria

Não é estranho escutar por aí, que a maior riqueza que um pai pode deixar a um filho é aquilo que fica guardado para sempre em seu peito.

Esta é uma regra subjetiva, basta ver que lhe faltam especificações, pois sendo o peito de tamanho enorme, ou seja, uma larga caixa torácica, ele é, como sabemos, uma grande cavidade subdividida. Mas tratando-se de herança, pouco importa que fique do lado de cá, ou do lado de lá, de um determinado canto. O importante é que o pai passe para o herdeiro, e isto de forma irrevogável, seu legado.

Não compactuo com esta forma de pensamento; parece um tanto improdutivo. Aliás, acho mesmo que o verbo herdar, às vezes, é muito conivente com o predicativo preguiçoso. Porém, pai é pai, filho é filho e, neste caso, peito é peito.

O caso que trago aqui é sobre um pequeno que tossia bastante. Tossia mesmo. A mãe, logo que ele completou um ano de idade, não hesitando, levou-o ao especialista. O diagnóstico foi recebido em silêncio, porém sem nenhum vestígio de desespero. O mal da tosse, todos temiam até então, podia ser uma pneumonia, uma tuberculose, ou qualquer uma dessas predições que as mentes hipocondríacas fabulam. Entretanto, era somente bronquite. E a notícia veio entre bons lamentos. O marido deste modo, ao chegar em casa, depois do serviço, arfou o peito, batendo firmemente nos brônquios:

__Claro que não podia ser diferente! Eu também sempre tive bronquite. Isto desde menino. É hereditário!

Acontece que a tosse é que não se fez de rogada; e na mesma noite, deitou a atacar o pequeno, pondo-o quase em delírio. Às duas horas da madrugada, não se contendo mais, a mãe explodiu:

__Meu Deus, homem! Você não está ouvindo? Olha a agonia do menino! Temos que fazer alguma coisa. Acorda! Acorda!

O pai espaventou-se; se pouco pelos gritos agourentos da esposa, mais ainda pelo sono que lhe fora invadido. Teve que retornar de alguma terra longínqua, talvez de algum sonho que, por certo, já ia pra lá de distante. Por isso, por ter demorado tanto, ao retornar, abriu os olhos, ainda num estado completo de ausência:

__Mas que diabo! Que barulheira é essa?

__Barulho o quê?! Não está vendo, não?! O menino está se acabando de tossir… Tá que não se aguenta!…

O marido continuou:

__Mas é bronquite, mulher! Você não disse que o médico já explicou? Dá o xarope que passa. Eu também tenho; logo passa.

Ela desconcertou-se por completo. Inflamou-se de vez; perdeu a paciência. Foi ao guarda roupa e pegou um pequeno cobertor.

__Vou levar ele agorinha mesmo ao médico. Essa tosse não vai passar porcaria nenhuma!

__Passa sim, desajuizada; e não pense que vai sair com o menino a essa hora da madrugada; não vai mesmo!

__Ele tá com uma crise muito forte! Você não está vendo?

__Dá xarope que passa! Eu sempre tive também. Minha mãe nem por isso saía comigo feito doida, no meio da noite. Dá xarope que passa; é hereditário!

E passou; não naquela noite a tosse, em si; passou a crise. O menino cresceu (tossindo deveras). O pai morreu (não por sequela da bronquite), porém sustentando o orgulho de ter deixado a tal herança para o filho.

A mãe (ah!), a mãe foi quem me contou esta história, ainda outro dia, num banco de hospital público. Estava aguardando sua vez numa consulta simples, de rotina. O filho, conforme ela mesma disse, já era homem bem feito e casado. Ela, “pela graça de Deus”, já era até avó. O neto, nem de longe, guardava vestígios de bronquite; crescia forte, era um menino sadio. A Dona até mostrou-me algumas fotos…