Edição n° 28
__Passa, anta! Gira logo a catraca, diabo!__ esgoelava-se a mãe para o menino, que se tivesse realmente oito anos, conforme ele próprio confessara para o funcionário da estação, sem dúvida alguma seria mais uma entre as milhares de crianças, vítimas em potencial do raquitismo e da desnutrição.
O funcionário não quis provocar a ira da mulher; apenas perguntou a idade do menino, calma e educadamente, porque os desígnios de sua função exigiam isso. Aliás, não foi para a mãe que ele dirigira a pergunta; foi para o pai. Este, sem fazer caso de resposta, baixou os olhos, ficou calado, e apenas esperou a chegada da esposa. Esta, com outra criança no colo, ainda a dez passos atrás, nada pôde fazer para impedir que o filho respondesse a pergunta. Quando chegou próximo, pela boca do menino, a verdade estava dita.
“Desbocado de menino!”, pensou, e para o marido, lançou o mais ruidoso dos olhares. Sempre assim! Já havia se acostumado: o “traste” só abria a boca quando se punha a jogar truco ou buraco. Daí então era um tagarela dos grandes! “Abestalhado” de moleque! Só podia ter puxado ao pai, só podia!
Tentou ainda regatear com o funcionário:
__Esse meu filho não sabe nem contar direito, moço; quanto mais saber da idade que tem!
__É só apresentar o documento dele, senhora; o problema fica resolvido… São normas; e pela norma, criança a partir de seis anos paga passagem.
A mãe fungou mais uma, mais duas, mais três vezes. Olhou para o marido que, cabisbaixo, parecia estar alheio à situação.
__Vê as moedas aí na bolsa, Dorival. Acho que da pra comprar os bilhetes__ ordenou-lhe a mulher.
Todo sem jeito, ainda que com breves gestos, vasculhou a bolsa e estendeu o dinheiro para a esposa.
__Vai no caixa, homem! Ou tu acha que tenho cara de quem vende passagem?!
O pai torceu os lábios e seguiu para a bilheteria. Ela, de onde estava, continuou:
__Não sei por que trouxe esse moleque, Deus meu! Vem e só dá trabalho; só dá despesa! Vê algodão doce, quer! Vê sorvete, e quer! Quando não pagava passagem ainda ia; só que agora ninguém mais deixa passar por baixo. Ah, eu tô cheia de trabalhar só pra sustentar filho, moço!… E o tonto do pai, só vendo! Parece que o filho nem é dele! Ah, moço, ninguém merece!
O funcionário, mesmo ouvindo as palavras, não dava atenção direta para a mulher. E responder o quê, diante de conjuntura tão infeliz? Olhava para o menino que, se estava entendendo o motivo da zanga da mãe, e talvez por isso evitava encará-la, não encontrava razão, como criança, para entender os reais motivos de seu triste destino.
O pai voltou; bilhetes na mão, mas com ares de não saber direito o que fazer com eles. A mulher desconjuntou-se:
__Vai homem, quê coisa! Põe o bilhete no buraco, peste!
Dorival girou a catraca e passou; a mulher também fez a mesma coisa. Os dois, do outro lado da catraca, esperaram pelo pequeno José. O menino, com o bilhete na mão, todo inocente, parecia mesmo é que queria chorar. Esperava uma ordem; sempre esperava uma ordem, era sempre assim, ia ser sempre assim. Foi quando a mãe repetiu:
__Vai logo, sua anta! Põe o bilhete no buraco, diabo. Passa!