INCONTINÊNCIA (TAMBÉM) MILITAR

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Edição n° 24

Por Adailton Ferreira

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Esta crônica é de teor que pode ser interessante tanto para psicólogo como para gente da área militar. É sobre assunto que diz respeito à aptidão, ou não, de algumas pessoas por carreiras profissionais. Começo com uma confissão: eu urinei na cama quando pequeno; e estou para conhecer quem nunca na sua infância, urinou. Mas falando sobre meninice, difícil é encontrar uma criança com atitudes e seriedades de gente grande. Seriedades verdadeiras! Porque guardar hinos pátrios de uma nação imensa como é a nossa, não é proeza de quem se diga estar brincando, não.

O pequenino urinava na cama também; como parte do direito que cabe a toda criança. Tomava lá as retaliações de sua mãe, e logo ia a tocar sua vida inocentemente. Com efeito, toda criança urina na cama durante a noite, para de manhã tomar a sua bronca, ter sua roupa de cama trocada, e depois ir a correr atrás dos seus brinquedos. Porém, o pequeno de qual falo, urinava na cama e não passava disso. Tinha também, claro, uma mãe a lhe fustigar os nervos; mas o que mais impressionava era o desinteresse que ele demonstrava por qualquer tipo de brincadeira infantil.

Tinha quatro anos, este menino. Trocavam a sua roupa pela manhã; serviam-lhe seu delicioso mingau de aveia e, geralmente, a irmã se punha a implorar:

__Diogo, agora canta um pedacinho do hino da Independência, vai!

E lá vinham do hino da Independência, algumas estrofes:

__Esse menino tem é que parar de urinar na cama, isso sim! Não aguento mais trocar os lençóis da cama dele, diariamente __desabafava a mãe.

O pai remediava:

__Criança é assim mesmo; qual delas não urinou na cama? Quero ver é trazer no gogó, como Diogo traz, todos esses hinos afiadinhos.

Pois é; dali então era pelo resto da semana o hino Nacional Brasileiro, o hino Do Soldado, o Da República, e alguns outros que eu nem sei nem o nome.

Diogo crescia e a postura ficava cada vez mais aprumada. Desenvolvia-se e a seriedade se tornava mais eriçada. Nunca quis cômodo de brinquedo em casa; nem queria saber de cabelos compridos. Tinha todos os hinos pátrios catalogados e guardados a sete chaves. Sabia até o hino à Bandeira, pausa a pausa, que dizem alguns entendidos, ser um dos mais difíceis entre os nossos hinos. Diogo completou dezoito anos e o Exército finalmente o acolheu. Acolheu-o, claro, para nunca mais ter que sofrer chacota à mesa com a família. Mesmo assim, a irmã, já bem adulta, quando encontrava o irmão, ia logo perguntando:

__E os hinos, Diogo; aprendeu mais algum?

Ele, por despeito à gozação com coisa tão séria, ficava mais sério ainda, e respondia:

__Para com isso, mana! Para com isso!

Dia desses passei por Diogo na rua. Incrível; parecia ser ele mesmo dentro de uma farda verde-cáqui impecável. De patente, eu também não entendo nada: devia ser farda somente de uso dos oficiais. Com certeza, era pra lá de 2º tenente aquele filho do meu antigo vizinho. Mas estava tranquilo, o altivo rapaz; parecia realizado e sereno. Parecia feliz mesmo.