A arte e a vida

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Edição n°31

Por Dr. João Luiz Barboza

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Falar de temas sobre os quais não se tem domínio gera insegurança. Mas isto não deve ser obstáculo à manifestação das nossas impressões. Na última quinta-feira, 15/09, ocorreu a morte de um protagonista da telenovela do horário nobre da Rede Globo de Televisão. Do ponto de vista geral, Domingos Montagner era apenas mais uma pessoa que procurava exercer seu ofício com competência e dedicação. Até onde se sabe, era um profissional e pai de família dedicado, um brasileiro como outro qualquer que procura desempenhar seu papel na sociedade de forma digna. Mas fazia parte do entretenimento que ajuda a amenizar as agruras e o cansaço do dia-a-dia, além incutir estilo de vida, desejos de consumo e (por que não dizer?) gerar frustrações pela impossibilidade de acesso a determinados bens que gostaríamos de ter para poder viver os sonhos que personagens nos fazem crer possíveis.

Em que pese o ceticismo de alguns, as telenovelas são um produto que não pode ser menosprezado ou subestimado, por vários aspectos. Diverte, emociona, cria tendências, influi em comportamentos, vende produtos e serviços etc. E as telenovelas brasileiras são bem conceituadas e muito elogiadas em vários países, sendo, inclusive, produto de exportação. Certa vez, em conversa com amigos, me lembro de um deles ter perguntado sobre a motivação que alguém pode ter para assistir e acompanhar telenovelas. De forma espontânea e irrefletida, brinquei: ver o próximo capítulo é um motivo a mais para querer viver o dia seguinte. Somente depois fui refletir sobre o que havia dito, sem que, contudo, a resposta tenha deixado de fazer sentido para mim.

Quando mergulhamos em uma história interessante é difícil dela nos afastar antes de chegar ao seu final. Assim acontece com a leitura de um bom livro. E as redes de televisão bem sabem disto. As telenovelas são produzidas sob medida para que não sejam muito curtas, nem muito longas a ponto de se tornarem cansativas. Muitas vezes são abreviadas por não caírem no gosto da audiência. A morte de Montagner, aos 54 anos, toca quem acompanha a telenovela Velho Chico. Em primeiro lugar, por tratar-se de desaparecimento precoce, principalmente tendo em conta sua profissão. Mas chama à atenção também pela incrível coincidência da obra de ficção com a tragédia da vida real. Por alguns capítulos da telenovela foi exposta a crença da comunidade de que Santo dos Anjos, personagem vivido por Montagner, havia sido levado pelas águas do rio após sofrer um atentado, sendo por fim encontrado por sua amada Tereza, personagem vivida por sua colega Camila Pitanga. Na quinta-feira, após gravações, Montagner nadava em companhia da colega Camila Pitanga, tendo se afogado exatamente nas águas do rio São Francisco, onde haviam sido ambientadas várias cenas da telenovela.

 O desaparecimento do personagem Santo dos Anjos não chocou, pois se tinha consciência de tratar-se de ficção. A morte do artista Montagner choca a todos que apreciam a arte da representação. Todos os dias pessoas perdem a vida, das mais diversas formas. Isto é evidente. Porém, da mesma forma que a arte nos diverte, a morte dos artistas parece nos tocar mais de perto. Creio existir nisto algum significado que não desejamos admitir. Assim como os artistas nos vendem sonhos e vontade de viver, é bem possível que sua morte precoce e inesperada nos faça, inconscientemente, sentir como se um pouco de nós e de nossos sonhos desaparecesse juntamente com eles.