Edição n°48
A vida em sociedade exige que se a compreenda em todas as suas nuances. O Estado é instituído para promover a convivência ordeira e pacífica das pessoas, com todas sendo respeitadas em sua dignidade. Não se pode partir do princípio de que o homem é um ser ruim em si mesmo. O que deve prevalecer é, ao contrário, a noção de que o homem é um ser racional e merecedor de respeito da parte dos seus iguais. É claro que não se pode descartar a ocorrência de desvios de caráter ou mesmo de circunstâncias que possam levar o indivíduo a cometer delitos.
Para as situações delituosas, em que o indivíduo passe a representar perigo para a paz social ou que viole o direito alheio, o Estado deve estar aparelhado para impor punições exemplares que objetivem desencorajar a repetição da prática delituosa, pelo mesmo ou por outro indivíduo. Nos casos mais graves, isto deve ser feito com o afastamento do delinquente do convívio social e cuidando da sua reeducação para que possa, após cumprir a pena de privação da liberdade, retornar ao convívio social. Portanto, a prisão deve, sem dúvida, ter um caráter punitivo, porém sua função principal é a ressocialização do delinquente, respeitando a dignidade humana e o princípio de que, na essência, nenhum indivíduo pode ser considerado superior ou melhor que outro.
Quanto maiores forem as desigualdades em uma sociedade, maiores serão as ocorrências de comportamentos delituosos. Infelizmente, isto é o que se observa hoje no Brasil, e não somente no Brasil, onde os níveis de criminalidade são assustadores, e o ambiente prisional se transformou em verdadeiro depósito de seres humanos que vão perdendo qualquer perspectiva de recuperação, totalmente desrespeitados em sua dignidade. Ocorre que a sociedade perdeu a tal ponto a sensibilidade para esta e outras questões que falar em dignidade de presos passou a ser considerado ato de demagogia e mesmo de desconsideração com as vítimas dos criminosos.
É preciso serenidade. Questões sociais estruturais exigem raciocínio isento e imparcial. É preciso ter em conta que qualquer pessoa está sujeita a cometer um crime, a depender apenas das circunstâncias a que esteja submetida. Naturalmente, quando movido pela emoção, aquele que sofreu as consequências de um crime tenderá a desejar que o criminoso receba o mesmo tratamento que deu à vítima. Porém, não pode ser assim, pois isto igualaria a todos como criminosos, deixando sem sentido a própria punição. Voltar-se-ia à barbárie. Aliás, ocorrências como as dos últimos dias deste mês de janeiro, demonstram que a barbárie já está se tornando normal dentro dos presídios brasileiros. Quando as perspectivas de vida digna desaparecem, não se pode pretender que a razão prevaleça.
Quando o Estado não consegue dar conta das suas funções a desordem passa a predominar. A situação calamitosa dos presídios brasileiros vem se agravando ainda mais, pois o crime organizado tem encontrado neles o ambiente adequado para ampliar sua atuação. Aproveitando-se da falta de perspectiva de vida digna dos reclusos que vivem amontoados, aliadas à inoperância de um sistema penitenciário desaparelhado e muitas vezes contaminado pela corrupção, as organizações criminosas vão formando os seus “exércitos”, que passam a afrontar as instituições do Estado. É necessário que se passe a refletir sobre a violência dos presídios, que constitui a causa maior da violência nos presídios. A partir daí é que poderão surgir soluções adequadas para contenção dessa violência.