VIDA DE ARTISTA

Edição n°47

Por Adailton Ferreiira

Jeremias era dessa espécie de homem que acha que vem ao mundo para ser artista. Pelo menos era o que pensava. As roupas extravagantes que usava, o jeito galanteador, o sorriso polivalente, tudo isso extravasava nele, muito, mas muito mesmo, mais do que em qualquer outro jovem de sua idade.

Jeremias mentia, e como mentia, meu Deus! Talvez pensasse que fosse hábito de gente famosa, gente do círculo da televisão. Tomava o ônibus todas as manhãs, às sete horas, ele e todos nós, que estudávamos no mesmo colégio e vivíamos a mesma rotina, religiosamente. O dia era de estudo, e ríamos com Jeremias.

Era estonteante a figura dele, principalmente quando aparecia encharcado de um perfume que jurava ter vindo de longe, preparado exclusivamente para ele. Lembro-me bem de que no colégio, de todas as mulheres, somente duas conseguiram passar ilesas aos seus gracejos: uma era a diretora geral, mulher de cabelos brancos e com experiência suficiente para tê-lo como neto, e a outra era a professora mais antiga do colégio, e que só na área do ensino somava mais de trinta e cinco anos.

Para cada garota ele contava uma história diferente; e nenhum olhar feminino, ou ouvido de moça daquele colégio, conseguiu ser poupado diante da presença dele. Encarava a todas, o jovem galanteador; e uma palavra sempre floreava.

Certa vez Jeremias caiu do cavalo _ou como queira (em consideração à adolescência onírica do rapaz), ele caiu do palco. Vínhamos no ônibus do final da tarde, nós e mais quatro outros meninos, quando pela porta da frente entrou uma mulher. Ela era linda, muito linda; bonita mesmo. Jeremias, que estava no primeiro banco do coletivo, não ousou perder tampo; perdeu somente a memória, pois enquanto se dirigia para a mulher, entre gentilezas e galanteios, esquecia que a Dona era _nada mais nada menos_ a esposa do próprio motorista. Esta moça embarcava, por vezes, no nosso ônibus, e sempre no mesmo ponto, ficava à espera do ônibus do marido. Depois que ela subia, o casal trocava um ligeiro beijo. Devia voltar de algum curso, ou mesmo do trabalho, parecia. Só Jeremias, não conseguiu ter memória para isso. Pobre amigo.

Foi um “pega pra capar”, como se diz ainda hoje na gíria. Mas foi para capar mesmo! E se não fosse a intervenção de um policial que estava também no coletivo, teríamos visto a morte de um colega, aos dezessete anos, prematuramente.

Outro dia, fiquei sabendo notícias de Jeremias. Soube que está homem feito, rapaz alegre, esbelto, destacado; apenas não consegue fixar moradia em nenhum lugar; parece cigano. Disseram que está com o mesmo sorriso polivalente, galanteador; e que somente transparecem no rosto cicatrizes de algumas brigas possíveis (brigas de homem mulherengo, quem sabe). E eu logo pensei, rindo intimamente, um tanto saudoso, um tanto consternado, pelo destino inglório daquele meu amigo:

__Como deve ser dura a vida de certos artistas, não é mesmo?