A metrópole dos esquecidos

São Paulo, com seus 12 milhões de habitantes, é a triste síntese do equivocado planejamento da expansão dos maiores municípios brasileiros. Trata-se de um erro histórico, que cria privilégios, promove imensa estratificação demográfica e social, conspira contra o crescimento econômico, o desenvolvimento e o meio ambiente, levando a uma situação caótica de uso e ocupação do solo. A questão é mostrada com imensa clareza em filme do filósofo e premiado fotógrafo João Farkas, intitulado “A cidade segregada”, que aborda todos os problemas decorrentes da disfunção do meio urbano no País.

A distância entre a residência da maior parte dos habitantes e dos escritórios ou fábricas é um dos problemas que prejudicam a qualidade da vida. Muita gente, tendo de pegar vários ônibus, trens e metrô, consome seis horas diárias apenas para ir e voltar de casa ao trabalho. Dois terços dos paulistanos viajam mais de duas horas por dia para ir trabalhar, ou seja, quatro horas para ida e volta.

A região onde se localizam 70% dos empregos, o centro expandido, tem poucos habitantes, apenas cerca de dois milhões de pessoas, integrantes da classe alta e da classe média alta. Empurramos a classe média baixa e os mais pobres para cada vez mais longe. Cinco milhões de habitantes da classe média estão morando na periferia. Quanto mais distantes os imóveis, mais baratos. Quanto mais próximos, mais caros e inacessíveis para a maioria.

O centro expandido de São Paulo tem 250 quilômetros quadrados. É quatro vezes e meia maior do que Manhattan, em Nova York, e duas vezes e meia o tamanho de Paris. A região perdeu 400 mil habitantes nos últimos 30 anos. Apenas 22% do total de paulistanos vivem nesta “cidade intramuros”, enquanto 78% estão nas periferias, onde numerosas áreas, e não apenas as favelas, não têm áreas verdes, saneamento básico adequado, equipamentos de lazer e, o que é mais grave, a presença do Estado em termos de saúde, segurança e habitação. Essa distribuição urbano-demográfica contraria a lógica da justiça social e da qualidade da vida, pois as pessoas deveriam trabalhar, estudar, ter assistência médica e lazer nas mesmas regiões onde moram.

São Paulo é uma cidade tão desigual, que a taxa de mortalidade infantil em vários bairros chega a ser 20 vezes maior do que nas regiões mais desenvolvidas. Quem mora em áreas periféricas vive, em média, 23 anos a menos dos que habitam o centro expandido. Por exemplo, a longevidade média em Moema é de 80 anos, ante 57 em Cidade Tiradentes. A mesma comparação de cálculo para a longevidade média pode ser feita na grande São Paulo, por exemplo, entre as regiões periféricas dos municípios e a região de Alphaville-Tamboré-Aldeia da Serra – região milionária de Barueri e Santana de Parnaíba, pautada em sua integridade pela segregação espacial de bairros fechados num mesmo local. Moradores dos locais mais afastados levam cerca de 75 dias para marcar uma consulta médica na rede pública de saúde, o que se dá pela grande demanda que existe nestes locais devido a expansão de núcleos urbanos distintos, com produção e intensificação de fluxos que extrapolam os limites políticos e administrativos dos municípios.

Também é difícil prover saneamento básico, água e esgoto para todos, em áreas tão espalhadas. São Paulo precisaria tornar-se mais adensada, para que pudesse ter uma adequada infraestrutura, cujo custo de provisão seria muito menor. A Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) define como densidade ideal a relação de 400 habitantes por hectare, que expressa o equilíbrio entre qualidade de vida e desempenho dos equipamentos urbanos. Em São Paulo, são apenas 125. Ou seja, estamos na contramão do mundo civilizado.

O uso e a ocupação desordenados do solo também levam à devastação de mananciais hídricos e da vegetação, com numerosas invasões de terrenos que deveriam ser preservados. Mais recentemente, essa atividade ilegal passou a ser exercida pelo crime organizado, que ocupa amplas áreas, desmata e faz loteamentos clandestinos, comprados por milhares de pessoas, que nem desconfiam das irregularidades. Por conta disso, o município perdeu 7,2 milhões de metros quadrados de verde e 1,2 milhão de árvores. Até 2030, São Paulo terá mais 1,2 milhão de moradores. É preciso pensar em todas essas questões para reorientar os planos de expansão.

Enquanto a maioria do povo enfrenta as agruras dos erros históricos do planejamento urbano, o centro da cidade, área com ampla infraestrutura, vai sendo cada vez mais abandonado, com prédios invadidos, colocando em risco a segurança, a vida e a integridade de milhares de serem humanos. Seria importante repovoar de modo adequado e digno essa região.

É preciso rever as políticas públicas de uso e ocupação do solo em São Paulo e nas demais cidades brasileiras, propiciando maior adensamento, recuperação das áreas centrais para habitação e revisão dos protocolos de verticalização das construções. É preciso expandir o direito das pessoas de morarem onde está seu trabalho, escola, lazer e acesso aos serviços do Estado. Política habitacional não se resume a oferecer moradia barata a três horas de onde tudo acontece. É preciso prover vida de qualidade, sem segregação e com foco na mitigação das desigualdades.

Fonte: Luiz Augusto Pereira de Almeida diretor da Sobloco Construtora e membro do Conselho Consultivo do SECOVI – Ricardo Viveiros & Associados Oficina de Comunicação para o jornal Folha Carapicuibana