Observatório COVID-19 BR ajuda a compreender evolução da pandemia no Brasil

You are currently viewing Observatório COVID-19 BR ajuda a compreender evolução da pandemia no Brasil

“Queremos que qualquer pessoa entre no site e consiga interpretar os dados, assim como olha a previsão do tempo ou cotação do dólar”, diz Paulo Prado, professor da USP e um dos criadores da plataforma.

 

Um grupo de professores, pesquisadores e alunos de três universidades públicas brasileiras se uniu para ajudar o público na busca por dados confiáveis para entender a dinâmica da Covid-19. Idealizado por profissionais da USP,  da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e da Universidade Federal do Grande ABC (UFABC), o Observatório Covid-19 BR é uma plataforma on-line que disponibiliza, em tempo real, a situação da pandemia no País. E traz um diferencial: permite ao usuário trabalhar com cenários que mudam quase todos os dias .

 

A plataforma utiliza dados do Ministério da Saúde e, por meio de ferramentas matemáticas, mostra gráficos com diferentes análises sobre a doença. “Queremos que qualquer pessoa entre no site e consiga interpretar os dados, assim como elas olham a previsão do tempo ou cotação do dólar”, explica Paulo Inácio Prado, biólogo e professor do Instituto de Biociências (IB) da USP. “Não é sempre que a gente consegue dar significado aos números, então, essa é uma boa oportunidade para mostrar o quanto eles são importantes, principalmente em uma situação de pandemia como a que estamos vivendo”.

 

Na página do Observatório COVID-19 BR, existem gráficos com dados sobre o número de casos no Brasil, rapidez de propagação da doença e a eficácia do isolamento social, por exemplo. “Pegamos os casos suspeitos, confirmados e descartados, além do número de óbitos do dia, e usamos para construir o que a gente chama de curva epidemiológica”, explica Paulo Roberto Guimarães Junior, um dos idealizadores do projeto e também professor do IB. “A partir daí, fazemos projeções sobre o aumento ou diminuição do número de ocorrências ao longo do tempo, como a doença vem se comportando ou, ainda, a importância da quarentena”.

 

Da concepção à concretização do projeto, foram necessários apenas alguns dias. Muitos integrantes do grupo já haviam trabalhado juntos na criação de um site sobre a situação do sistema Cantareira, maior reservatório hídrico do Estado de São Paulo, durante a crise hídrica de 2014. “Nosso perfil é o de analisar dinâmicas complexas, pois reunimos pessoas com diversas habilidades em diferentes ferramentas matemáticas”, diz Paulo Prado, que também é idealizador da plataforma. “Percebemos que coletar dados simples e mostrar como as coisas estão evoluindo no tempo eram ações muito úteis, tanto para a sociedade quanto para os tomadores de decisão”.

 

Variáveis no caminho

Construir um gráfico em epidemiologia não é algo tão simples. Guimarães Junior esclarece que é preciso levar em conta as incertezas associadas aos dados empíricos. Para gerar uma informação confiável, é preciso considerar se o sistema de saúde conseguirá coibir a propagação do vírus, se todas as pessoas manifestam os sintomas na mesma velocidade ou, ainda, se o isolamento social vai ser eficiente. “Se houver alguma mudança, em algum momento esse gráfico se modificará e, nós, que trabalhamos com modelagem matemática, precisamos prever essas variáveis no processo”.

 

Vamos usar como exemplo a aba que traz um gráfico com a quantidade de casos e a projeção para os próximos dias. No dia 23 de março, dia de publicação dessa reportagem, o Brasil tinha 1546 casos, 25 mortes (dados divulgados pelo Ministério da Saúde às 16 horas do dia 22). O site do Observatório COVID-19 prevê que, no dia 27 de março, o Brasil terá entre 6321 e 8348 casos. Os cientistas trabalham com um intervalo de cinco dias. A lógica funciona assim: se as coisas continuarem do jeito que estão, daqui a cinco dias a situação será essa”, elucida Paulo Prado.

Já na parte da projeto que mostra para quantas pessoas cada infectado transmite a doença, no momento esse valor está entre 2,6 e 5,5. A linha azul no gráfico representa a estimativa em um intervalo de sete dias. A faixa cinza indica o intervalo de confiança dessas estimativas. O que podemos perceber é que o limite mínimo do intervalo de confiança está bem acima de um, indicando que a epidemia está rápida expansão.

 

Redes de interação

“Mostrei esse jogo para a minha avó e ela conseguiu entender o quanto é importante ficar em casa nesse momento”, diz Guimarães Júnior, aliviado. Foi dele a ideia de criar a seção interativa do site que mostra como o isolamento social influencia a dinâmica de propagação da epidemia. “Em uma de nossas conversas, Prado sugeriu foi que seria interessante construir algo para mostrar a importância da rede social”, diz, esclarecendo que não está falando de Facebook ou o Twitter, mas da rede social de fato, presencial, formada entre pessoas. A ideia é mostrar como as pessoas, ao se conectarem, ao se tocarem e ao se falarem, acabam propagando epidemias.

 

Guimarães Junior já trabalha com interações sociais em ecologia e estuda a evolução e o convívio entre as espécies. “Descobri uma plataforma que tinha uns joguinhos para ilustrar conceitos bem básicos e bem teóricos de análises de redes e os adaptei para o nosso atual cenário”, explica.

 

Usar o site é bem fácil. O modelo ao qual Guimarães Junior se refere mostra várias pessoas e um espaço, e cada uma delas tem um número de contatos, que estão espalhadas e conectadas. As linhas azuis são as pessoas saudáveis e as vermelhas, as infectadas. Os números não se referem a estimativas da covid-19, são apenas valores sugeridos para desenvolver uma intuição e reduzir a propagação de um vírus. Suponha, por exemplo, que uma pessoa tenha 20 contatos em sua rede social. É possível ver quantas ela pode infectar se continuar com o convívio diário “A ideia dessa aba é experimentar. Tente reduzir o número de contatos para quatro e observe a diferença”, instrui Guimarães Junior. “Porque você reduziu o contato social, a doença não consegue cobrir a população”.

 

Ciência e sociedade

Uma maneira de refletir a importância da ciência é imaginar que os cientistas estão trabalhando e, em algum momento, os futuros achados vão se reverter em benefício da população. Paulo Prado, no entanto, adiciona uma outra vertente. “Podemos perguntar, também, se os estudiosos estão aptos a resolver certos problemas quando eles aparecem, mesmo que não seja a área específica de atuação dele”, pondera. “O nosso grupo adquiriu experiências anteriores que foram aplicadas em um caso completamente diferente do que estávamos acostumados”.

 

Prado comenta também que a população está ávida por saber quando teremos um achatamento da curva de transmissão da doença. “Boa ciência faz previsão sempre considerando as medidas de incertezas inerentes ao processo. Por isso, queremos comunicar de forma simples, para que o público absorva as informações sobre a covid-19 da mesma maneria que olham a previsão do tempo ou a evolução do dólar”.

 

“Os nossos dados são abertos e os pesquisadores terão à disposição uma série de materiais e de análises que podem ser muito úteis no futuro, principalmente para as próximas epidemias que acontecerão”, completa Guimarães Junior.

 

 

 

Fonte: Jornal da USP

URL: Clique aqui

Texto: Fabiana Mariz