Leia 06 das melhores redações do Enem 2016: entre 06 milhões de candidatos, apenas 77 tiram nota máxima na redação

Edição n° 61

Por Wandir Coelho Cavalheiro

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Entre os mais de 06 milhões de candidatos que fizeram a prova do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) em 2016, apenas 77 tiraram a nota máxima de mil pontos na redação. O Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) liberou a consulta aos espelhos dos textos.

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Veja algumas redações que tiraram a nota máxima:

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Larissa Cristine Ferreira, 20 anos

Orgulho Machadiano

Brás Cubas, o defunto-autor de Machado de Assis, diz em suas “Memórias Póstumas” que não teve filhos e não transmitiu a nenhuma criatura o legado da nossa miséria. Talvez hoje ele percebesse acertada sua decisão: a postura de muitos brasileiros frente a intolerância religiosa é uma das faces mais perversas de uma sociedade em desenvolvimento. Com isso, surge a problemática do preconceito religioso que persiste intrinsecamente ligado à realidade do país, seja pela insuficiência de leis, seja pela lenta mudança de mentalidade social.

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É indubitável que a questão constitucional e sua aplicação estejam entre as causas do problema. Conforme Aristóteles, a poética deve ser utilizada de modo que, por meio da jsutiça, o equilíbrio seja alcançado na sociedade. De maneira análoga, é possível perceber que, no Brasil, a perseguição religiosa rompe essa harmonia; haja vista que, embora esteja previsto na Constituição o princípio da isonomia, no qual todos devem ser tratados igualmente, muitos cidadãos se utilizam da inferioridade religiosa para externar ofensas e excluir socialmente pessoas de religiões diferentes.

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Segundo pesquisas, a religião afro-brasileira é a principal vítima de discriminação, destacando-se o preconceito religioso como o principal impulsionador do problema. De acordo com Durkheim, o fato social é a maneira coletiva de agr e de pensar. Ao seguir essa linha de pensamento, observa-se que a preparação do preconceito religioso se encaixa na teoria do sociólogo, uma vez que se uma criança vive em uma família com esse comportamento, tende a adotá-lo também por conta da vivência em grupo. Assim, a continuação do pensamento da inferioridade religiosa, transmitido de geração a geração, funciona como base forte dessa forma de preconceito, perpetuando o problema no Brasil.

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Infere-se, portanto, que a intolerância religiosa é um mal para a sociedade brasileira. Sendo assim, cabe ao Governo Federal construir delegacias especializadas em crimes de ódio contra religião, a fim de atenuar a prática do preconceito na sociedade, além de aumentar a pena para quem o praticar. Ainda cabe à escola criar palestras sobre as religiões e suas histórias, visando a informar crianças e jovens sobre as diferenças religiosas no país, diminuindo, assim, o preconceito religioso. Ademais, a sociedade deve se mobilizar em redes sociais, com o intuito de conscientizar a população sobre os males da intolerância religiosa. Assim, poder-se-á transformar o Brasil em um país desenvolvido socialmente, e criar um legado de que Brás Cubas pudesse se orgulhar.

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Helário Azevedo e Silva Neto, de 17 anos

O Período Colonial do Brasil, ao longo dos séculos XVi e XIX, foi marcado pela tentativa de converter os índios ao catolicismo, em função do pensamento português de soberania. Embora date de séculos atrás, a intolerância religiosa no país, em pleno século XXI, sugere as memas conotações de sua origem: imposições de dogmas e violência. No entanto, a lenta mudança de mentalidade social e o receio de denunciar dificultam a resolução dessa problemática, o que configura um grave problema social.

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Nesse contexto, é importante salientar que, segundo Sócrates, os erros são consequência da ignorância humana, Logo, é válido analisar que o desconhecimento acerca de crenças diferentes influi decisivamente em comportamentos inadequados contra pessoas que seguem linhas de pensamento opostas. À vista disso, é interessante ressaltar que, em algumas religiões, o contato com perspectivas de outras crenças não é permitido. Ainda assim, conhecer a lei é fundamental para compreender o direito à liberdade de dogmas e, portante, para respeitar as visões díspares.

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Além disso, é cabível enfatizar que, de acordo com Paulo Freire, um seu livro “Pedagogia do Oprimido”, é necessário buscar uma “cultura de paz”. De maneira análoga, muitos religiosos, a fim de evitar conflitos, hesitam em denunciar casos de intolerância, sobretudo quando envolvem violência. Entretanto, omitircrimes, ao contrário do que se pensa, significa colaborar com a insistência da discriminação, o que funciona como um forte empecilho para resolução dessa problemática.

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Sendo assim, é indispensável a adoção de medidas capazes de assegurar o respeito religioso e o exercício de denúncia. Posto isso, cabe ao Ministério da Educação, em parceria com o Ministério da Justiça, implementar aos livros didáticos de História um plano de aula que relacione a aculturação dos índios com a intolerância religiosa contemporânea, com o fito de despertar o senso crítico nos alunos; e além disso, promover palestras ministradas por defensores públicos acerca da liberdade de expressão garantida pela lei para que o respeito às diferentes posições seja conquistado. Ademais, a Polícia Civil deve criar uma ouvidoria anônima, tal como uma delegacia especializada, de modo a incentivar denúncias em prol do combate à problemática.

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Laryssa Cavalcanti, de 17 anos

O ser humano é social: necessita viver em comunidade e estabelecer relações interpessoais. Porém, embora intitulado, sob a perspectiva aristotélica, político e naturalmente sociável, inúmeras de suas antiéticas práticas corroboram o contrário. No que tange à questão religiosa no país, em contraposição à laicização do Estado, vigora a intolerância no Brasil, a qual é resultado da consonância de um governo inobservante à Constituição Federal e uma nação alienada ao extremo.

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Não obstante, apesar de a formação brasileira ser oriunda da associação de díspares crenças, o que é fruto da colonização, atitudes preconceituosas acarretam a incrédula continuidade de constantes ataques a religiões, principalmente de matriz africana. Diante disso, a união entre uma pátria cujo obsoleto ideário ainda prega a supremacia do cristianismo ortodoxo e um sistema educacional em que o estudo acerca das disparidades religiosas é escasso corrobora a cristalização do ilegítimo desrespeito à religiosidade no país.

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Sob essa conjectura, a tese marxista disserta acerca da inescrupulosa atuação do Estado, que assiste apenas a classe dominante. Dessa forma, alienados pelo capitalismo selvagem e pelos subvertidos valores líquidos da atualidade, os governantes negligenciam a necessidade fecunda de mudança dessa distópica realidade envolta na intolerância religiosa no país. Assim, as nefastas políticas públicas que visem a coibir o vilipêndio à crença – ou descrença, no caso do ateísmo – alheia, como o estímulo às denúncias, por exemplo, fomentam a permanência dessas incoerentes práticas no Brasil. Porém, embora caótica, essa situação é mutável.

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Convém, portanto, que, primordialmente, a sociedade civil organizada exija do Estado, por meio de protestos, a observância da questão religiosa no país. Desse modo, cabe ao Ministério da Educação a criação de um programa escolar nacional que vise a contemplar as diferenças religiosas e o respeito a elas, o que deve ocorrer mediante o fornecimento de palestras e peças teatrais que abordem essa temática. Paralelamente, ONGs devem corroborar esse processo a partir da atuação em comunidades com o fito de distribuir cartilhas que informem acerca das alternativas de denúncia dessas desumanas práticas, além de sensibilizar a pátria para a luta em prol da tolerância religiosa.

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Vinícius Oliveira de Lima, de 26 anos

Tolerância na prática

A Constituição Federal de 1988 – norma de maior hierarquia no sistema jurídico brasileiro – assegura a todos a liberdade de crença. Entretanto, os frequentes casos de intolerância religiosa mostram que os indivíduos ainda não experimentam esse direito na prática. Com efeito, um diálogo entre sociedade e Estado sobre os caminhos para combater a intolerância religiosa é medida que se impõe.

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Em primeiro plano, é necessário que a sociedade não seja uma reprodução da casa colonial, como disserta Gilberto Freyre em “Casa-Grande Senzala”. O autor ensina que a realidade do Brasil até o século XIX estava compactada no interior da casa-grande, cuja religião era católica, e as demais crenças – sobretudo africanas – eram marginalizadas e se mantiveram vivas porque os negros lhe deram aparência cristã, conhecida hoje por sincretismo religioso. No entanto, não é razoável que ainda haja uma religião que subjugue as outras, o que deve, pois, ser repudiado em um estado laico, a fim de que se combata a intolerância de crença.

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De outra parte, o sociólogo Zygmunt Bauman defende, na obra “Modernidade Líquida”, que o individualismo é uma das principais características – e o maior conflito – da pós-modernidade, e, consequentemente, parcela da população tende a ser incapaz de tolerar diferenças. Esse problema assume contornos específicos no Brasil, onde, apesar do multiculturalismo, há quem exija do outro a mesma postura religiosa e seja intolerante àqueles que dela divergem. Nesse sentido, um caminho possível para combater a rejeição à diversidade de crença é descontruir o principal problema da pós-modernidade, segundo Zygmunt Bauman: o individualismo.

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Urge, portanto, que indivíduos e instituições públicas cooperem para mitigar a intolerância religiosa. Cabe aos cidadãos repudiar a inferiorização das crenças e dos costumes presentes no território brasileiro, por meio de debates nas mídias sociais capazes de descontruir a prevalência de uma religião sobre as demais. Ao Ministério Público, por sua vez, compete promover ações judiciais pertinentes contra atitudes individualistas ofensivas à diversidade de crença. Assim, observada a ação conjunta entre população e poder público, alçará o país a verdadeira posição de Estado Democrático de Direito.

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Samanta Gabriela Ferreira, 22 anos

É notória a necessidade de ir de encontro à intolerância religiosa no país vigente. Diante disso, averigua-se, desde o período da colonização brasileira, um esforço etnocêntrico de catequização dos indígenas nativos, como forma de suprimirem suas crenças politeístas. Tal processo de aculturação e subjugo acometeu também os negros africanos, durante todo contexto histórico de escravidão, os quais foram, não raro, coisificados e abominados por suas religiões e cultos. Por essa razão, faz-se necessário pautar, no século XXI, o continuismo desse preconceito religioso e dos desdobramentos dessa faceta caótica.

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Segundo Immanuel Kant, em sua teoria do Imperativo Categórico, os indivíduos deveriam ser tratados, não como coisas que possuem valor, mas como pessoas que têm dignidade. Partindo desse pressuposto, nota-se que a sociedade brasileira, decerto, tem ido de encontro ao postulado filosófico, uma vez que há uma valoração negativa às crenças de caráter não tradicionais, conforme a mentalidade arcaica, advinda de uma herança histórico-cultural, como o Candomblé, o espiritismo e o Islamismo. Tal realidade é ratificada ao se destacar a agressão física e moral oriunda de um movimento promovido pelo Pastor Lucinho, no Rio de Janeiro, o qual incitou um levante contra a manifestação religiosa do Candomblé, segundo notícia da Folha de São Paulo. Por essa razão, torna-se inegável a discriminação velada e, não raro, explícita existente contra às diversas religiões no Brasil.

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Como desdobramento dessa temática e da carência de combate às díspares formas de intolerância religiosa, faz-se relevante ressaltar a garantia de liberdade de culto estabelecida na Constituição de 1988. Nesse sentido, de acordo com o Artigo 5º da Carta, todos os indivíduos são iguais perante a lei, sem distinção de nenhuma natureza, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de assegurar a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade e à segurança. O que se nota, pois, na contemporaneidade, é a inoperância desse direito constitucional e do cumprimento da laicidade estatal, haja vista a mínima expressividade desse Estado, ainda em vigor, no que tange à proteção do cidadão e à legitimidade da livre manifestação religiosa no país.

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Por tudo isso, faz-se necessária a intervenção civil e estatal. O Estado, nesse contexto, carece de fomentar práticas públicas, tal como a inserção na grade curricular do conteúdo “Moral e Ética”, por meio do engajamento pedagógico às disciplinas de Filosofia e Sociologia, a fim de que seja debatido a temática do respeito às manifestações religiosas e que seja ressignificado a mentalidade arcaica no que tange à tolerância às religiões. É imperativo, ainda, que a população, em parceria com as escolas, promovam eventos plurissignificativos e seminários, por meio de campanhas de caráter popular, para que diversos líderes religiosos orientem os civis, sem tabus e esteriótipos, sobre suas crenças, de modo a mitigar a intolerância religiosa de modo efetivo. Só assim, o país tornar-se-á mais plural e justo.

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Marcela Sousa Araújo, 21 anos

No meio do caminho tinha uma pedra

No limiar do século XXI, a intolerância religiosa é um dos principais problemas que o Brasil foi convidado a administrar, combater e resolver. Por um lado, o país é laico e defende a liberdade ao culto e à crença religiosa. Por outros, as minorias que se distanciam do convencional se afundam em abismos cada vez mais profundos, cavados diariamente por opressores intolerantes.

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O Brasil é um país de diversas faces, etnias e crenças e defende em sua Constituição Federal o direito irrestrito à liberdade religiosa. Nesse cenário, tomando como base a legislação e acreditando na laicidade do Estado, as manifestações religiosas e a dissseminação de ideologias fora do padrão não são bem aceitas por fundamentalistas. Assim, o que deveria caracterizar os diversos “Brasis” dentro da mesma nação é motivo de preocupação.

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Paradoxalmente ao Estado laico, muitos ainda confundem liberdade de expressão com crimes inafiançáveis. Segundo dados do Instituto de Pesquisa da USP, a cada mês são registrados pelo menos 10 denúncias de intolerância religiosa e destas 15% envolvem violência física, sendo as principais vítimas fieis afro-brasileiros. Partindo dessa verdade, o então direito assegurado pela Constituição e reafirmado pela Secretaria dos Direitos Humanos é amputado e o abismo entre oprimidos e opressores torna-se, portanto, maior.

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Parafraseando o sociólogo Zygmun Bauman, enquanto houver quem alimente a intolerância religiosa, haverá quem defenda a discriminação. Tomando como norte a máxima do autor, para combater a intolerância religiosa no Brasil são necessárias alternativas concretas que tenham como protagonistas a tríade Estado, escola e mídia. O Estado, por seu caráter socializante e abarcativo deverá promover políticas públicas que visem garantir uma maior autonomia religiosa e através dos 3 poderes deverá garantir, efetivamente, a liberdade de culto e proteção; a escola, formadora de caráter, deverá incluir matérias como religião em todos os anos da vida escolar; a mídia, quarto poder, deverá veicular campanhas de diversidade religiosa e respeito às diferenças. Somente assim, tirando as pedras do meio do caminho, construir-se-á um Brasil mais tolerante.

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