GAROTINHO SETE VIDAS

Edição n°49

Por Adailton Ferreiira

O garotinho se deslocou do lado da mãe e correu em direção à beira da plataforma. Os que estavam mais próximos, usuários diversos, até fecharam os olhos para não ver a tragédia. Uns soltaram sussurros de agonia, outros gritaram alto, de fato. Mas o pequeno parou a meio metro antes do tombo; baixou os olhos e ficou olhando os trilhos. A mãe se aproximou ofegante, desconjuntada e displicente. Seus olhos fuzilaram o menino; não devia ter mais do que três anos. Disse palavras nada bonitas para o filho, e junto delas lhe emendou um cocorote:

__Você não vê, seu moleque, que você pode cair?! Tá querendo morrer menino, o trem te pega!__ esbravejou contra o menino.

Antes, nas escadas rolantes, havia deixado o pequeno também correr na frente, e num risco muito grande o garoto quase rolou nos degraus. Lá, ela somente deu risada diante da atrapalhação do filho, com as pernas tranças, tentando acertar o passo. Já dentro do trem, sentou-se convenientemente e deixou o garoto parado em pé, ao lado da porta. Por pouco uma das portas, ao fechar-se, quase pegou o braço do garoto. Ela entrou no vagão primeiro, o pequeno entrou atrás, puxado pela gola da camisa. Logo o menino tentou avistar a paisagem que corria do lado de fora. Nas pontas dos pés erguia-se curioso, já com a cara grudada nos vidros das portas. Cambaleou seguidamente, e por pouco não bateu a cabeça num dos ferros de apoio lateral. A mãe, em sua completa displicência, esbravejou mais uma vez. Foi um grito que parecia uma fala:

__Sai daí, moleque! Não vê que a porta pode abrir!?

Na hora de descer, mais um momento de agonia. A porta se abriu diante da estação final e o pequeno foi se embrenhando (foi sendo levado) em meio à multidão. Eu o acompanhava de perto, pois tive medo de que viesse a cair no vão, assim que a porta se abrisse. A mãe havia ficado para trás, enquanto ele já ia a uns dez passos, desorientado. Peguei-o pela mão e pedi que esperasse. Alguns instantes depois, a mãe apareceu. Para ela a situação estava normal, e sequer olhou para o filho, que parecia realmente assustado. Só me disse apenas um “muito obrigado” e completou algo que parecia querer dizer assim: “este meu filho é muito danado, não tem um pingo de juízo, moço”. Passei-lhe o menino e segui meu caminho. Fiquei inteiramente surpreso, para não dizer completamente chocado. Olhei para trás e vi: o garotinho havia novamente se deslocado do lado da mãe e corria para longe dela, todo inocente e afoito. E sabe-se lá para onde.