O BRANCO DO PAPEL HIGIÊNICO

Edição n°44

Por Adailton Ferreiira

 

Qual dos dois foi que surgiu primeiro: a cor branca do papel higiênico ou a acepção de Moral que a filosofia vem disseminando pelo tempo?

Com a autoridade que somente compete à História _e os livros indicam isso facilmente_ a Moral impõe-se primeiro; e o papel higiênico somente tempos e tempos depois; e por impulsos, acredito, muito, mas muito mesmo, ressentidos.

Provavelmente não foi por conta de dinheiro _e motivação ainda não havia para isso_ e somente depois, logo adiante, é que tal razão passou a ser explorada, porque enquanto seu objeto comercial se via cada vez mais valorizado _como acontece com quase todo produto manufaturado_ a cor do papel tornava-se cada vez mais branca.

Foi, a princípio, por inquietação existencial mesmo; estou quase que me convencendo disso. E o nosso herói, grande idealizador _que foi fundo nessa introspecção sobre si mesmo (sobre o Homem), consequentemente ficou com o nome incógnito na História. Mas mesmo assim, vamos acompanhar a trajetória deste chamado papel (metafísico objeto?) e refletir se, realmente, surgiu de intenções provocativas, a sua cor.

Apareceu logo depois da invenção do papel comum, esse nosso companheiro.  Antes, não posso precisar com clareza de que modo se acudiam os seres humanos.  Modos diversos decerto, e efetivamente cada modo com seu jeito peculiar de ser; já que a primeira ordem moralizada do dia era, assim podemos presumir, a de não se recolher jamais com as partes mais íntimas, sujas.

Foi a partir daí que surgiu o primeiro rolo do papel; de início em cores ainda, pouquíssimo mesmo, claras; porém depois, provavelmente, o branco passou a ser experimentado, passo a passo, propositadamente. Eram experiências do nosso anônimo pensador, seriíssimas: a cada tonalidade de cor mais clara que o papel era utilizado, um conceito novo de sua própria condição humana era experimentado, e assim por diante. E qual bicho serviu-se de cobaia para incomum experimento? Ora, qual senão o único que tem por consciência primária a necessidade de se sentir sempre limpo? “De se sentir sempre limpo!”, eis a expressão direta que demonstra claramente o objeto motivador e que dá base e sustentação a esta crítica.

Pois bem, experiências concluídas, produto de aceitação maciça, consumidor público infindo; diante de tal conjuntura, não é de se estranhar que a verdadeira intenção logo se viu malograda; pois na medida em que o papel ia sendo muito bem utilizado, mínimas se tornavam também as chances de acontecer a insurreição. Aliás, consequência de natural efeito, pois quem procura se enxergar (alguém lá me diga!) na contemplação de seus próprios dejetos?

O revolucionário, ressentido (e não era para menos), partiu desta que eu sei __ninguém é para sempre!_, e quantos rolos do papel, de lá para cá, já não foram consumidos urgentemente, de maneira útil e necessária, quantos?

O interessante é que a Economia, que depende mais de matéria-prima do que propriamente de material transcendental, por acuidade a isso, tratou logo de produzir um papel cada vez mais suave, independentemente se de cor laranja, amarela, azul, verde ou branca.

A filosofia é que precisa se ater mais em torno de certas reflexões que apresentem ligação direta com os hábitos dos Homens. (Não é recomendável fechar o juízo, e tão pouco os narizes, para certas reflexões _mesmo que o objeto que esteja sendo apresentado, diante de nós, não cheire nada bem; mas é preciso).

Certas reflexões podem nos provocar ânsias por uma vida inteira, mas mesmo assim precisamos estar atentos em torno delas; é preciso.