Deliberação participativa na democracia: a teoria deliberativa de Habermas pode ser um modelo funcional no Brasil?

Edição n° 42

Por Fabiana Rodovalho Nemet Nº USP: 10141070 

A autora confeccionou o presente artigo nas aulas de “História do Urbanismo Contemporâneo” (AUH 240), na FAU-USP- Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. Professor: Dr. Leandro Medrano

 

A democracia é legitimada por meio do voto, é fato. Para Habermas, este modelo democrático é insuficiente. Sua proposta é a teoria deliberativa da democracia, onde os próprios cidadãos irão estruturar o campo democrático de forma racional, se afirmando por meio do diálogo em sociedade, estruturando uma forma de comunicação. Com esta deliberação participativa, as decisões e as leis serão justificadas, nascendo um novo cenário, de modo que os cidadãos possam desempenhar um papel central como sendo interlocutores dos políticos. Desta forma, a democracia será legitimada com grandes avanços, em especial, na fundamentação de suas regras.

Nestes moldes, todos deverão ter legitimidade para apreciar as questões sociais, já que a esfera pública é estruturada por meio do discurso e da argumentação. Partindo das ideias de Habermas, a legitimidade de qualquer decisão política deve ser fruto de processos de discussão entre Cidadãos e representantes eleitos pelo povo, discussões estas que ocorrerão em um processo público de decisão coletiva, na esfera pública. Este processo de discussão deve ser pautado por alguns princípios, sem coerção externa, viabilizando, sobretudo, a inclusão e a igualdade de participação. Levar-se-á em conta a decisão da maioria.

De acordo com a versão habermasiana, procura-se criar um elo entre a participação efetiva como ideal e as questões sociais implícitas à sociedade pela complexidade e pluralismo (é fato que esta forma, proposta por Habermas, vem sendo objeto de discussão entre pesquisadores das ciências humanas e sociais, em especial por “dirigentes partidários” em diretórios Estaduais e Municipais em razão da “ética” na forma de agir, embasada na inclusão e participação de todos, sem exceção, bem como na transparência das decisões). A operacionalização das políticas deliberativas depende da institucionalização das diretrizes e da própria comunicação.

Segundo Habermas, a política deliberativa é definida pela manifestação de vontade formada de maneira democrática em espaços institucionais e pela formação de opinião informal em espaços extras institucionais. Contudo, seu intento é conciliar as tradições liberal e republicana, propondo um modelo alternativo: o procedimental, acolhendo elementos de ambas as tradições.

Por outro lado, segundo o autor do texto, tais argumentos tem sido alvo de inúmeras críticas. A esfera pública é indeterminada em relação aos conteúdos da agenda política, aos indivíduos e grupos. Ela tem duplo caráter constitutivo. O modelo deliberativo culmina em limitações, já que há pressupostos limitadores internos e externos, como exemplo, o “pluralismo das visões de mundo” – pois há um liame entre a realidade de vida do cidadão e sua forma de abordar um fato e manifestar seu pensamento a fim de deliberar acerca de determinada questão. Inúmeros fatores implicam nas peculiaridades de cada ser, como convicções religiosas, comunidades étnicas, diversidade cultural, entre outros. As desigualdades sociais são grandes barreiras para que os cidadãos enfatizem suas participações neste processo de legitimidade do poder.

Este procedimento nada diz sobre o preenchimento dos conteúdos normativos. Afinal, a prática da democracia está ligada a ideia de justiça social, de Estado de direito, de direitos sociais e culturais. No entanto, pairam dúvidas a despeito do procedimento deliberativo face aos aspectos procedimentais do uso público da razão (assim como implicações sobre compreensão de justiça e sentido da igualdade).

Na prática, opiniões divergem em posições contrapostas, o que foi possível perceber nas últimas eleições municipais. Enquanto estudava Habermas e escrevia o presente artigo na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, presenciei, na grande São Paulo, inúmeras pautas apresentadas como propostas de governo, entre elas, a versão habermasiana – que, após esta breve síntese, mesmo sem minuciar fatores socioculturais, fundamentos psicológicos e socioantropológicos da nossa educação, pude denotar as dificuldades da adoção deste modelo no Brasil.

De qualquer forma, opiniões contrapostas representam o meio mais viável de buscar a verdade. Para ilustrar, não é por acaso que existem as abordagens de Marx e Weber se divergindo essencialmente, quer seja em relação ao viés teórico metodológico, quer seja em relação aos objetos de análise. Neste exemplo, Karl Marx deu ênfase à sociedade capitalista, com seu olhar voltado ao modo de produção, às contradições, aos limites e aos problemas. Max Weber, por sua vez, o contrariou ao enfatizar o entendimento da sociedade por meio da própria ação dos indivíduos em coletividade. Tal confluência de Marx e Weber, relacionada diretamente à raiz dos conflitos que existem na sociedade industrial moderna, por si só, é prova de que não há outra maneira de buscar o melhor modelo de resolução para as mais diversas situações senão divergindo. A propósito, a deliberação participativa na democracia retrata os mesmos valores; sob a mesma óptica de atuação, partindo do modelo dialogal, todavia – no caso do Brasil em especial – tal participação poderá implicar em outros pontos negativos, como contrarrazões da própria natureza do modelo devido as grandes diferenças sociais, inerentes à pluralidade do nosso país, por exemplo.

Nota sobre Habermas

 

Jürgen Habermas é um dos mais importantes intelectuais contemporâneos; um dos pensadores mais influentes do pós- Guerra. Seu pensamento abrange diversos temas, tais como direito, política, história e ética – os quais se entrecruzam em nossas vidas, e, ao final, chegando a um único ponto: o homem na sociedade. Habermas muito estudou acerca dos desvios do poder, desde as covardias praticadas nos campos de concentração em Auschwitz até a mais atual covardia eternizada no “11 de setembro de 2001”, nos Estados Unidos. Nasceu em Dusseldorf, no ano em que o mundo passava por uma grande crise econômica, 1929, de sorte que, neste mesmo ano, nascia a Universidade de Frankfurt, formadora de inúmeros intelectuais que marcariam eternamente o pensamento filosófico. Daquele centro de excelência do conhecimento, surgiria a Escola de Frankfurt, da qual Habermas faria parte. Porém, seu nome esteve ligado aos frankfurtianos da Segunda Geração por muito pouco tempo, já que preferiu, de forma independente, seguir seu caminho, ampliando horizontes com a sua própria teoria da ação comunicativa. 

Razões do seu pensamento

 

“Quando secam os oásis utópicos, estende-se um 
deserto de banalidade e perplexidade.”

O pensamento habermaseano veio de encontro a crítica desferida à metafísica tradicional, procurando “desconstruir o paradigma da modernidade iniciado por Descartes e Locke, configurado na oposição racionalismo versus empirismo”. Para ser mais preciso, a teoria proposta por Habermas intenta colocar limites na razão, partindo do princípio de que “o endeusamento da racionalidade pode chegar a extremos irracionais”, a exemplo dos totalitarismos, que acabam gerando “projetos de poder contaminados de desvios”, no momento em que se apegarem a solipsismos inconsequentes, ou seja, momento este em que passam a pensar que existem apenas suas experiências, que, além deles, nada mais existe. Este tipo de racionalidade, em virtude de ser subjetivista, é amplamente repugnada por Habermas, já que “a própria razão não fez a crítica a si própria”.

Contudo, se torna objeto de análise crítica o modelo de racionalidade de Descartes, exposto na modernidade. Segundo o entendimento de Martins e Aranha, “o paradigma da racionalidade moderna precisa ser contestado, mas não por meio do irracionalismo e, sim, pela atividade crítica da razão mais completa e mais rica, que dialoga e se exerce na intersubjetividade”. Desta forma, Habermas contesta o modelo subjetivista, razão pela qual propõe o uso da razão comunicativa, ou seja, dialogal.