O X DA QUESTÃO

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Edição n°41

Por Adailton Ferreiira

o-x-da-questao

O modo de estarmos sempre reiterando nossa predileção pela terra em que nascemos _terra querida_ o orgulho pelo chão em que estão fincadas nossas raízes, é peculiar em cada um de nós, mesmo que seja essa terra uma terra completamente ignorada, mesmo que seja desconhecido e infinitamente longe esse lugar.

Há gente que num esforço surpreendente, extraordinário mesmo, faz questão de transparecer em si as marcas e os sinais de sua cidade de origem, de sua terra natal. Alguns, pouco se importam com isso; e com a mesma facilidade com que perdem o sotaque e o gosto pela comida típica de sua terra de origem, perdem também suas reminiscências da infância, e mesmo em alguns casos, seu próprio registro de nascimento. Mas trata-se de uma minoria, gente pouquíssima mesmo. A maioria está por aí: nos escritórios, nos aviões, nas praças públicas, nos coletivos, nos calçadões, e ora comendo uma pizza:

__Viu só, Jussara, eu não te falei? A Nandinha quando fala, e começa a arrastar o xis, chega a ser irritante.

__Isto é frescura! …onde já se viu!? Não vejo por que carioca tem que estar sempre arrastando o xis!

__Mas não é a questão de ser carioca, não; ela é de Duque de Caxias. Se fosse assim, eu que sou de Ninópolis, e muito mais carioca que ela, deveria arrasar no meu xis.

__Mas às vezes você também força um pouco, Susane; cá entre nós__ defendeu-se Nandinha.

__Você não viu nada! Eu até que me contenho. Tenho amigas que quando falam não tem como deixar de imaginar: “é de lá”.

__Perdõem-me a intromissão, senhoras_ começou um avermelhado senhor, numa mesa mais ao canto, falando um “carioquês” refinado__ mas não concordo com as observações das senhoras, me desculpem. Nasci e me criei em Ipanema, e acho que o carioca nativo, aquele que arrasta o xis, é o carioca nascido na capital, o dito fluminense. Eu me considero carioca mesmo, e trago o sotaque no sangue, quero dizer, na língua!

Susane olhou reprovadamente para as duas amigas, e quando ia falar alguma coisa, o garçom interpôs-se, afável, em favor dos cabo-frienses:

__Desculpem-me fazer uso de uma palavrinha, minha gente, mas ser de Cabo-frio é ser carioca, sim senhor! E o sotaque é o mesmo, tanto faz ser de Ipanema, Quintino, Cabo-frio ou Ilha do Governador.

Jussara, paulistana deletada pelas vestes, pela objetividade e pela gíria, adentrou:

__Se liga, gente; esse papo de forçar o xis é opcional. Baiano, cearense, gaúcho, se quer forçar o xis, força e acabou!

Susane arrematou:

__Eu ainda acho que o xis, todos nós do grande Rio arrastamos. Cabe a cada um exagerar no arrasto.

__Ôpa, todos nós, vírgula! Eu não arrasto xis coisa nenhuma. Sou paulistana, galera, tô fora!

__Carioca que só vê praia em feriado prolongado, é carioca só de nome. Copacabana, Ipanema, Leblon… eis a diferença. Agora, quanto ao xis, não quero nem comentar__ falou o senhor, cor de acerola madura, entusiasmado, enquanto comia seu último pedaço de pizza.

__Não, não… Isso nunca existiu, e nunca existirá!__ de novo interferiu educadamente o garçom. __Onde já se viu isso? Quanto mais próximo da praia, mais forte o sotaque?!

__Continuo a insistir: todos nós do grande Rio carregamos a bandeira!

__Tô fora! Sou paulistana, pô!

__Mas…

__Não… não…

E eu, que não sou carioca, nem paulistano, apesar de gostar do Rio tanto quanto de São Paulo, ao acabar minha pizza, levantei-me e sai apressadamente (um tanto irritado, confesso),  deixando  para  trás  a  questão levantada naquele lugar.

Também convenhamos: comer uma pizza numa dessas noites mortificantes e frientas de São Paulo, ouvindo discussão tão sem cabimento entre jovens amigas cariocas. Qual é?!…

__Carioca não, meu! Paulistana!__ exclamaria com certeza, Jussara.