A rejeição dos regimes socialistas: transformar o interesse comum da política em interesse único privado de um regime de opressão é favorecer o totalitarismo e destruir a esfera pública

Edição n° 41

Por Fabiana Rodovalho Nemet

A autora confeccionou o presente artigo nas aulas de “História do Urbanismo Contemporâneo” (AUH 240), na FAU-USP- Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. Professor: Dr. Leandro Medrano

 

No presente artigo – que decidi compartilhar com os leitores da minha coluna no jornal Folha Carapicuibana -, procurei fazer, de forma muito breve, alusão a uma passagem da obra “A Condição Humana”, antropologia filosófica de Hannah Arendt, uma das mais influentes filósofas políticas do século XX. Sua obra completa é fundamental para entender e refletir sobre os tempos contemporâneos, sobretudo o porquê da rejeição ao regime socialista, muito embora eu já tenha disposto, no próprio título desta matéria, a resposta ao tema. Nesta breve passagem, mais precisamente sobre “a esfera pública e privada”, da qual utilizo para fazer tal abordagem, Arendt fez uma dicotomia entre a esfera pública da política, como sendo “o comum” aos cidadãos e a esfera privada, como sendo “a propriedade”.

O termo “público” está voltado a dois fenômenos distintos, mas interligados entre si. Tudo o que vem a público se torna algo de conhecimento mútuo e notório, enquanto os sentimentos, deleites dos sentidos e pensamentos parecem viver de forma incerta e obscura, até que sejam externados. Neste sentido, o termo supracitado nos remete a uma ideia de acessibilidade. Para a autora, Hannah Arendt, a dor física e o amor são sentimentos que não podem ser divulgados publicamente. Coisas simples formam os sentimentos das pessoas, se contrapondo então ao processo de industrialização.

O outro significado do termo “público” diz respeito ao “comum”; ao próprio mundo, porém, com diferenças notórias, posto que, em meio à coletividade, o homem não vive mais em comum, limitando-se ao consumo. Na esfera pública reina a liberdade, enquanto que, na esfera privada, a necessidade.  A sociedade distribui os empregos e determina o valor do qual cada indivíduo poderá se apropriar, pois, nela, existem os detentores de empregos, o empregador e o empregado, o forte e o fraco. As pessoas não vivem juntas, isto é, no sentido de não terem uma relação tangível entre si. As liberdades individuais precisam ser garantidas pelo Estado para que estejam seguras, uma vez que são estas ameaçadas pela própria sociedade individualista. Destaca-se ainda que, no cristianismo, a propriedade e a riqueza são encaradas de forma não-individualistas: os bens são partilháveis em comunidade. O socialismo defende um modelo cooperativista de administração da propriedade e da riqueza.

É de suma importância a citação de Arendt no que tange os escritores que buscavam inspiração por meio das teorias marxistas, fazendo lembrar que, um deles, ao propagar que Karl Marx não era capaz de sustentar a si próprio, esquecera a geração de autores sustentada pelo grande pensador do século XIX e revolucionário socialista, a propósito, um dos principais arquitetos da ciência social moderna (afinal, Marx demonstra, por meio de seus estudos relacionando o acúmulo de capital, que a velha classe dos capitalistas se enriquece progressivamente às custas dos operários e, estes, por sua vez, empobrecem cada vez mais – fato este que explica com veemência a luta de classes na história da sociedade até os dias atuais). Mas como forma de evitar um totalitarismo da massa proletária, sabemos que Arendt rejeita as teses de Marx referentes à ditadura do proletariado, enfim, rejeita os regimes socialistas mesmo aceitando o princípio revolucionário marxista, onde a força de trabalho é a origem da propriedade. Para Arendt, transformar o interesse comum da política em interesse único privado de um regime de opressão (tirania) é “favorecer o totalitarismo e destruir a esfera pública”.

É preciso dizer mais alguma coisa?

 

Curiosidades sobre Hannah Arendt

Hannah Arendt era uma alemã de origem judaica que vivenciou as grandes transformações do poder político do século XX, sendo considerada a “pensadora da liberdade”. Aos 14 anos de idade já havia lido a Crítica da razão pura de Kant. Embora tenha se formado em filosofia no ano de 1928, pela Universidade de Heidelberg, estudou também na universidade alemã de Marburgo, onde foi aluna e amante do filósofo Heidegger, evidenciando os efeitos de sua rebeldia extrema de adolescente não compreendida – talvez no contexto social em que viveu com sua família, na época. Para tanto, aos 17 anos de idade, havia sido expulsa da escola por problemas disciplinares, seguindo sozinha para Berlim, onde, sem haver concluído sua formação escolar, teve aulas de teologia cristã e estudou pela primeira vez a obra de Søren Kierkegaard. Em 1924, retornou a Königsberg e, por fim, foi aprovada no exame de maturidade, exigido no país.

Cultuada – e de forma meio contraditória a sua própria história pessoal -, foi autora do célebre conceito da “banalidade do mal”. Analisando os fatos, percebo que, desde então, surge uma nova Arendt, madura e defensora dos bons princípios – embora a personalidade fosse a mesma. Por conta própria, estudou todo o conceito e passagens do nazismo e do comunismo, isto é, a formação dos regimes autoritários (totalitários) instalados no período do século XX. Além disto, Arendt defendeu a  família e os direitos individuais face às “sociedades de massas” e aos crimes contra a pessoa. Autora das teorias do inconformismo, também defendeu os direitos dos trabalhadores na terra; defendeu a desobediência civil e, até mesmo, atuou contra a Guerra do Vietnã (1961-1975).

Em 1929, quando houve a quebra da Bolsa de Nova York, Arendt, com 23 anos de idade, foi estudar em Berlim com bolsa de estudos. Em 1933, momento em que o nacional-socialismo de Hitler subiu ao poder, mais do que rapidamente – com muita sabedoria – ela se mudou da Alemanha para Paris, onde resolveu fazer contato com muitos intelectuais, entre eles, o escritor Walter Benjamin. Para sobreviver, trabalhou como secretária da baronesa Rotschild, de uma família de banqueiros e, nas horas vagas, como forma de enfatizar seu trabalho ideológico, auxiliou instituições voltadas ao preparo de jovens para viverem como operários ou agricultores na Palestina.

No período da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), o governo francês de Vichy colaborou com os invasores alemães e, Arendt, por ser judia e conhecida pelo seu trabalho social, foi enviada como “estrangeira suspeita” a um campo de concentração, em Gurs. Mais uma vez, agiu com muita sabedoria, conseguindo então fugir para Nova York, em maio de 1941, onde ficou exilada, sem direitos políticos até 1951, momento em que conseguiu a cidadania norte-americana. Foi a partir desta década que, de fato, iniciou sua carreira acadêmica, da qual viveu até seu último dia.

Tenho enorme apreço por suas obras, em especial pela desenvoltura ao partir do óbvio, quando defende que “compreender é enfrentar sem preconceitos a realidade, e resistir a ela, sem procurar explicações em antecedentes históricos” – princípio a partir do qual, a meu ver, as coisas se tornam mais simples de serem resolvidas, numa primeira instância, suscitando qualquer margem de conflito.

 

 

Lista das obras de Hannah Arendt

1929
H.Arendt: Der Liebesbegriff bei Augustin. Versuch einer philosophischen Interpretation, Berlin, 1929; Nachdruck L. Lütkehaus (Ed.); Berlin-Wien 2003.

 

1948
H.Arendt (Ed.): Bernard Lazare. Job`s Dungheap. Essays on Jewish Nationalism and Social Revolution, New York 1948.
H.Arendt: Sechs Essays. Heidelberg 1948.

 

1949
M.Brod (Ed.)/ H.Arendt (Mitarbeiterin): The Diaries of Franz Kafka, Vol. 21914-23, New York 1949.

 

1951
H.Arendt: The Burden of Our Time, London 1951.
H.Arendt: The Origins of Totalitarianism, New York 1951.

 

1955
H.Arendt: Elemente und Ursprünge totaler Herrschaft, Frankfurt/Main 1955.
H.Arendt (Ed.): Hermann Broch: Dichten und Erkennen. Essays, 2 Bde., Zürich 1955. (H.Broch, Gesammelte Werke, Bde. 6,7.)

 

1957
H.Arendt; C.Beradt (Trans.): Fragwürdige Traditionsbestände im politischen Denken der Gegenwart: Vier Essays, Frankfurt/Main 1957.

 

1958
H.Arendt: Die Krise in der Erziehung, Bremen 1958.
H.Arendt: Die Ungarische Revolution und der totalitäre Imperialismus, München 1958 .
H.Arendt: Elemente totaler Herrschaft, Frankfurt/Main 1958. (Kapitel 9-13 von Elemente und Ursprünge totaler Herrschaft, 1955.)
H.Arendt: Rahel Varnhagen. The Life of a Jewess, London 1958.
K.Jaspers/ H.Arendt: Reden zur Verleihung des Friedenspreises des Deutschen Buchhandels, München 1958.
H.Arendt: The Human Conditon, Chicago 1958.

 

1959
H.Arendt: Rahel Varnhagen. Lebensgeschichte einer deutschen Jüdin aus der Romantik, München und Frankfurt/Main 1959.

 

1960
H.Arendt: Vita activa oder Vom tätigen Leben, Stuttgart 1960 und München 1960.
H.Arendt: Von der Menschlichkeit in finsteren Zeiten. Gedanken zu Lessing, München 1960.

 

1961
H.Arendt: Between Past and Future: Six Exercises in Political Thought, New York 1961.

 

 

 

1962
H.Arendt (Ed.): Karl Jaspers: The Great PhilosophersVol. 1-2, New York 1962 und London 1962.

 

1963
H.Arendt: Eichmann in Jerusalem. A Report on the Banality of Evil, New York 1963 und London 1963.
H.Arendt: On Revolution, New York 1963.

 

1964
H.Arendt; B.Granzow (Trans.):  Eichmann in Jerusalem: Ein Bericht von der Banalität des Bösen, München 1964.

 

1965
H.Arendt: Über die Revolution, München 1965.

 

1968
H.Arendt: Between Past and Future: Eight Exercises in Political Thought, Revised Edition including two additional essays, New York 1968.
H.Arendt: Men in Dark Times, New York 1968.
H.Arendt (Ed.); H. Zohn (Trans.): Walter Benjamin: Illuminations, New York 1968.

 

1970
H.Arendt; G.Uellenberg (Trans.): Macht und Gewalt, München 1970.
H.Arendt: On Violence, New York 1970 und London 1970.

 

1971
H.Arendt: Walter Benjamin – Bertolt Brecht: Zwei Essays, München 1971.

 

1972
H.Arendt: Crises of the Republic: Lying in Politics – Civil Disobedience – On Violence – Thoughts on Politics and Revolution, New York 1972.
H.Arendt: Wahrheit und Lüge in der Politik: Zwei Essays, München 1972.

 

1976
H.Arendt: Die verborgene Tradition: Acht Essays, Frankfurt/Main 1976.

 

1978
H.Arendt; R.H.Feldman (Ed.): The Jew as Pariah: Jewish Identitity and Politics in Modern Age, New York 1978.
H.Arendt: The Life of the Mind, 2 Bde., New York 1978 und London 1978.

 

1979
H.Arendt [H. Vetter (Trans.)]: Vom Leben des Geistes, 2 Bde., München 1979.

 

1982
H.Arendt; R.Beiner (Ed.): Lectures on Kant’s political philosophy, Chicago 1982.

 

1985
H.Arendt/ K.Jaspers; L. Köhler/ H.Saner (Ed.): Briefwechsel 1926-1969, München 1985.
H.Arendt; R.Beiner (Ed.); U.Ludz (Trans.): Das Urteilen: Texte zu Kants Politischer Philosophie, München 1985.

 

1986
H.Arendt; M.L.Knott (Ed.); E.Geisel (Trans.): Zur Zeit. Politische Essays, Berlin 1986; aktualisierte, erweiterte Neuausgabe, Hamburg 1999.

 

1989
H.Arendt; E.Geisel/ K.Bittermann (Eds.): Die Krise des Zionismus. Essays und Kommentare 2, Berlin 1989.
H.Arendt; U.Ludz (Ed.): Menschen in finsteren Zeiten, München 1989.
H.Arendt; E.Geisel/ K.Bittermann (Eds.): Nach Auschwitz. Essays und Kommentare 1, Berlin 1989.

1991
H.Arendt; E.Geisel/ K.Bittermann (Eds.): Israel, Palästina und der Antisemitismus, Berlin 1991.

 

1992
H.Arendt/ K.Jaspers; L.Köhler/ H.Saner (Ed.); R&R.Kimber (Trans.): Correspondence 1926-1969, New York 1992.

 

1993
H.Arendt; E.Geisel (Trans.): Besuch in Deutschland, Berlin 1993.
H.Arendt; U.Ludz (Ed.): Was ist Politik? Fragmente aus dem Nachlaß, München 1993.

 

1994
H.Arendt; J.Kohn (Ed.): Essays in Understanding 1930-1954, New York 1994.
H.Arendt; U.Ludz (Ed.): Zwischen Vergangenheit und Zukunft. Übungen im politischen Denken I, München 1994.

 

1995
H.Arendt/ M.McCarthy; C.Brightman (Ed.): Between Friends. The Correspondence of Hannah Arendt and Mary McCarthy 1949-1975, New York 1995.
H.Arendt/ M.McCarthy; C.Brightman (Ed.);U.Ludz/ H.Moll (Trans.): Im Vertrauen. Briefwechsel 1949-1975, München 1995.
H.Arendt/ K.Blumenfeld; I.Nordmann/ I. Pilling (Eds.): “…in keinem Besitz verwurzelt”. Die Korrespondenz, Hamburg 1995.

 

 

1996
H.Arendt/ H.Blücher; L.Köhler (Ed.): Briefe 1936 – 1968. München [u.a.] 1996.
H.Arendt/ H.Broch; P.M.Lützeler (Ed.): Briefwechsel 1946 bis 1951, Frankfurt/Main 1996.
H.Arendt; J.V.Scott/ J.C.Stark (Eds.): Love and Saint Augustine. Chicago [u.a.], Chicago 1996. (Veröffentlichung aus dem Nachlass auf der Grundlage der englischen Übersetzung E.B.Ashtons von Der Liebesbegriff bei Augustin, 1929, und Arendts unvollendet gebliebener Überarbeitung.)

 

1998
H.Arendt/ M.Heidegger; U.Ludz (Ed.): Briefe 1925 bis 1975 und andere Zeugnisse aus den Nachlässen, Frankfurt/Main 1998.
H.Arendt; Hannah-Arendt-Institut für Totalitarismusforschung (Ed.): Über den Totalitarismus. Texte Hannah Arendts aus den Jahren 1951 und 1953, Dresden 1998.

 

2000
H.Arendt; U.Ludz (Ed.): In der Gegenwart. Übungen im politischen Denken II, München [u.a.] 2000.
H.Arendt; M.Knott (Ed.): Vor Antisemitismus ist man nur noch auf dem Monde sicher. Beiträge für die deutsch-jüdische Emigrantenzeitung “Aufbau” 1941 – 1945, München [u.a.] 2000.
H.Arendt/ H.Blücher; L.Kohler (Ed.); P.Constantine (Trans.): Within Four Walls. The Correspondence Between Hannah Arendt and Heinrich Blücher, 1936-1968, New York 2000.

 

2002
H.Arendt; U.Ludz/ I.Nordmann (Eds.): Denktagebuch 1950-1973, 2 Bde., München 2002.

 

2003
H.Arendt/ J.Kohn (Ed.): Responsibility and Judgment, New York 2003.

 

2004
H.Arendt/ U.Johnson; E. Fahlke/ T. Wild (Eds.): Der Briefwechsel 1967 – 1975, Frankfurt/Main 2004 .
H.Arendt/ M.Heidegger; U.Ludz (Ed.); A.Shields (Trans.): Letters 1925-1975, Orlando [u.a.] 2004. 2005
H. Arendt/ J. Kohn (Ed.), The Promise of Politics. New York 2005.

 

2006
H. Arendt/ J. Kohn (Ed.): Über das Böse. Eine Vorlesung über Fragen der Ethik. Übersetzt aus dem Englischen von Ursula Ludz. Mit einem Nachwort von Franziska Augstein, München-Zürich 2006.

 

2007
H. Arendt/ J. Kohn (Ed.), The Jewish Writings. New York 2007