PEDRO MENDIGO DA SILVA

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Edição n° 39

Por Adailton Ferreira

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“Não é fácil ser mendigo nessa vida, minha gente”, o homem iniciou seu discurso dizendo assim. Entrou numa estação logo depois de Carapicuíba, e sua voz era firme e contundente:

“Pode até parecer que é fácil sair por aí mendigando, mas não é: é muito difícil. Só eu sei o que passo tendo que enfrentar uma infinidade de olhares desconhecidos, expressões diversas, julgos, pensamentos…”, deu uma pausa; mas não o suficiente para que desviássemos de cima dele o olhar.

Continuou:

“Meu nome é Pedro Oliveira da Silva, mas podem me chamar de Pedro Mendigo da Silva. Não tem problema; assim me reconheço, assim aprendi a me aceitar…”.

Depois de nova pausa, olhei para os lados. A atenção que todos davam àquele homem, já de alta idade, não de todo maltrapilho, era indisfarçável e hipnótica. As roupas desgastadas que usava não impressionavam tanto quantos às suas palavras.

Continuou:

“Já tive trabalho como quase todos que estão aqui têm; já fui casado, já tive casa, já tive carro e também conta bancária. Não foi só a idade que me desgraçou não, foi também ação de doença grave, doença para qual até hoje não encontraram cura. Também junto a isso, veio o descaso e a indiferença de muita gente. De parentes, eu não quero nem tocar no assunto: dá até azedume. Do governo, só de pronunciar este nome, me dá tremores…”.

Estendeu mais uma pausa; mostrou rapidamente as mãos. Continuou:

“Não gente, não é fácil sair por aí mendigando não. Só de olhar os olhos dos que me veem, entre tantas sentenças, entre tantos e diferentes julgamentos, saibam que não é uma situação nada confortável. Mas quem dá esmola, assim procede somente se quiser; dinheiro e consciência são coisas que somente pertencem a cada um. Eu, por mim, estou pedindo porque estou necessitado. Para vocês, o que posso desejar é um bom dia e, claro, uma saúde muito grande, muito grande mesmo”.

E assim o discurso terminou. A minha atitude? Pois é, não esconderei de vocês que nunca fui a favor de dar esmolas a quem quer que fosse. Neste caso não resisti; não contive meu ímpeto: tirei do bolso duas moedas de um real e pus na mão do sujeito. Talvez tenha sido pelo seu discurso _direto, enxuto; talvez tenha sido pelo seu nome _conciso, legítimo. Ou talvez porque estivesse com um trocado a mais no meu bolso _dinheiro sem pudor. Pedro Mendigo da Silva; assim era o seu nome. Nunca mais o vi.