UMA MOEDA DE NÃO SEI QUANTOS CENTAVOS

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Edição n° 26

Por Adailton Ferreira

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Será que existe manifestação mais estranha do que aquela que nos põe quietos pelos cantos, inexplicavelmente tímidos? Não, não tem como explicar: a timidez é o sentimento mais absurdo que temos. É uma força mesclada de retratação, recato, prudência, cautela, resguardo e que, de tão complexa, fica impossível poder defini-la. Arriscando algumas palavras, ela parece ser um tipo de escudo que temos, e que está sempre (interiormente) a nos “blindar”. Mas será que nos blinda dos outros ou nos blinda de nós mesmos? Será que sua essência maior não advém dos estímulos mais puros da vergonha? Bem, de qualquer forma, é sempre ela que nos faz calar, e nos “protege” de inúmeras manifestações. Se isto nos faz bem ou não, cabe a cada um, por si próprio, sentir. O que preciso dizer mesmo (e, claro, compartilhar com todos vocês) é sobre uma experiência que tive e que, sobretudo, acabou dando vida a esta crônica. A história começa com uma moeda sobre o piso do vagão de um trem. Alguém a deixara cair, enquanto desembarcava, às pressas, na estação que havia passado. Ninguém (mas ninguém mesmo) teve a coragem de se abaixar para pegá-la. Não havia muitas pessoas no local; todas estavam sentadas. Todos ficaram a olhar aquela moeda que repousava no chão, e permaneciam parados, em silêncio. O trem ia às pressas, sob os trancos, e a moeda, pelos cantos, resvalando-se. Chegou ao meu alcance, fiquei disfarçando, sem levantar os olhos. Chegou ao alcance dos outros, e estes, também, igualmente, disfarçaram. Ela, deslizando pelo piso, era uma verdade que nos desafiava, fria, metálica, inanimada. Ninguém ousava observá-la, fixamente, para ver qual era o seu valor real. Bastava um de nós se curvar, apanhar a moeda, e pronto, estaria ali, naturalmente, naquele pedaço de mundo, uma porçãozinha de nós mesmos humanizando-se. Sim, pensem na magnitude de algumas palavras que não conseguimos expressar: “É uma moeda de (tantos) centavos, gente! Bem, deixem-me guardá-la, que dinheiro hoje em dia não está fácil, não é mesmo?”. Mas nada da coisa acontecer assim; tanto que, ao me levantar, foi preciso que tropeçasse em minhas próprias pernas, para sair de tamanha absorção. Depois de me recompor, desviei-me dela (da moeda) e, ao ultrapassá-la, próximo dela, veio-me o desejo de agachar, para ver de bem perto o seu metal. Todos me observavam, claro; a ver também qual seria a minha reação. Podia sentir o bulir dos olhos que me acompanharam até a porta.

Desci, e deixei para trás, enfim, aquela conflagração inexplicavelmente absurda. Sim, absurda mesmo; por que onde já se viu (se é que isto encontre alguma explicação) tanta vergonha, tanta omissão, diante de um gesto tão singular e natural? E você, leitor, pegaria?