Edição n° 23
Enfim, mais uma pergunta: quem é que nasceu primeiro, a favela ou o favelado? Isto é tão difícil de esclarecer, quanto ao enigma que existe em torno do ovo e da galinha, assim parece ser. Apesar de que esta dúvida (a do reino galináceo), o homem provavelmente levará muito mais tempo para desmistificar. A ciência vem labutando, labutando… As religiões vêm acreditando, acreditando… e assim o Homem vai vivendo os seus dias, como as galinhas vão botando os seus ovos. Verdade mesmo é que um bom ovo frito, com um arroz bem soltinho, é que dá num delicioso prato feito. Isto também é outra verdade. Agora, voltando à pergunta, na minha opinião a favela nasceu primeiro (não sei se essa é a opinião de vocês). O primeiro homem que ali habitou, é que recebeu como batismo este nome: favelado. Se foram descendentes de escravos, se foram índios perdidos escorraçados de suas terras, ou mesmo, se foram os dois povos juntos, isto é algo a ser pensado. Hoje é mais difícil ainda afirmar qual é a gente que nasce e povoa as favelas. Justo mesmo é chamar a todos de brasileiros, e brasileiro dos bons. Sim, no sentido da palavra “bom” reconhecendo-os como legítimos, autênticos, ou seja, aquele subdesenvolvido, o explorado, o guerreiro, a grande porção que leva produtivamente o Brasil nas costas. Acredito que a predileção desses brasileiros pelo ovo frito não é somente por uma questão de preço; vai mais além. É algo que ultrapassa o paladar. Só quem vive de trabalho e não sobrevive da especulação, é que sente esse gosto na pele (e não somente no estômago). Diante disso, não tenho como passar diante de uma favela _ou que seja “comunidade”_ e deixar de observá-la de modo profundo, refletido. Me vem, lógico, um turbilhão de sentimentos, tais como: compaixão, preocupação, admiração, gratidão, indignação, tudo isso junto. Na verdade, fico a contemplá-la, para ser mais exato. E como não poderia de ser, logo me vem uma lembrança (e uma enorme vontade) de comer um delicioso ovo frito com um bom prato de arroz bem soltinho.
