Propaganda requer moderação.

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Edição n°20

Por Dr. João Luiz Barboza

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“Estava me sentindo muito feio e rejeitado pelas mulheres. Então, tomei uma dúzia de cervejas para que elas se encantassem por mim!” Esta poderia configurar a justificativa de um jovem ao policial que o flagrara dirigindo embriagado. Afinal, ele estava convencido pela propaganda de que o consumo dessa bebida o levaria ao sucesso entre belas e esculturais garotas. O equivalente se aplica às jovens garotas, pois homens e mulheres estão expostos aos mesmos incentivos ou estímulos.

A propaganda da cerveja – mas não somente dela – faz refletir sobre o que era a propaganda de tabaco, intensamente veiculada na segunda metade do século passado, tanto de forma direta como indireta. Quem se propor ver um filme da época perceberá o glamour que existia em torno do hábito de fumar. Adicionalmente, a propaganda apresentava esse hábito (na verdade, um vício de difícil abandono) como símbolo de sucesso, poder, virilidade… As consequências são de conhecimento geral e dispensam comentários. Basta observar as imagens que vêm estampadas nos maços de cigarros atualmente, tentando desencorajar o que fora, então, incentivado.

O constituinte de 1988 procurou livrar a sociedade de tais práticas propagandísticas, dispondo o art. 220, § 4º, da Constituição Federal:

A propaganda comercial de tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos e terapias estará sujeita a restrições legais, nos termos do inciso II do parágrafo anterior, e conterá, sempre que necessário, advertência sobre os malefícios decorrentes de seu uso.

Tal dispositivo constitucional foi regulamentado pela lei nº 9.294, de 1996, cujo art. 1º dispõe que

O uso e a propaganda de produtos fumígeros, derivados ou não do tabaco, de bebidas alcoólicas, de medicamentos e terapias e de defensivos agrícolas estão sujeitos às restrições e condições estabelecidas por esta Lei, nos termos do § 4° do art. 220 da Constituição Federal.

Ocorre que, certamente por ação de lobistas da poderosa indústria de bebidas, foi inserido no mesmo artigo o parágrafo único, nos seguintes termos:

Parágrafo único. Consideram-se bebidas alcoólicas, para efeitos desta Lei, as bebidas potáveis com teor alcoólico superior a treze graus Gay Lussac.

Assim, as restrições impostas pela lei 9.294 deixaram de abarcar as bebidas com teor alcoólico de até 13%. Com isto, ficaram fora das restrições todas as cervejas de consumo popular. Para que se tenha ideia, estas cervejas têm teor alcoólico em torno de 5%. Não sendo este o espaço adequado para transcrição completa da lei, vale observar que o seu texto traz restrições importantes para coibir o incentivo ao hábito de beber ou associá-lo ao sucesso, às atividades esportivas etc., do que ficaram excluídas as cervejas.

Torna-se contrastante o incentivo ao consumo de cerveja como é feito atualmente, em face dos limites toleráveis, por exemplo, pelas leis de trânsito. Pode-se argumentar com a verdade de que o consumo deve ser responsável e que a liberdade do consumidor está acima de tais questões. Porém, é dever do Estado zelar pela higidez social coibindo ao máximo as influências danosas que a propaganda pode exercer, principalmente sobre os jovens, para o que não bastam expressões como “beba com moderação”, mesmo porque juventude e moderação são atributos que nem sempre se harmonizam. É de questionar se não se está induzindo a juventude ao consumo desregrado do álcool e transferindo para as gerações futuras um ônus equivalente ao que a atual enfrenta com relação ao uso do tabaco, tão incentivado no passado recente.