Edição n° 20
A voz soa estereofônica, como sempre, anunciando a estação que se aproxima, fazendo com que todos fiquem em posição de alerta. Quem está comprando entende que tem que esperar, e quem está vendendo cala-se, esperto, ereto, ocultando a mercadoria numa mochila que vai suspensa no ombro. A voz emite seu comunicado, palavras já conhecidas de todos que estão no vagão:
“Atenção, não estimule o comércio ilegal; não consuma produtos de origem duvidosa”.
Imediatamente, após a orientação, o ambulante replica, de modo que causa uma reação de riso geral em todos à sua volta:
__Não ouça essa voz que vem do além, minha gente. É uma voz que a gente não sabe de quê, nem de quem!
Em meio minuto, depois que o trem fecha as portas, o ambiente se vê novamente tomado de uma infinidade de ofertas. A técnica de vendas, utilizada pela maioria dos vendedores, é de causar inveja a qualquer profissional da área de marketing:
“Pessoal, a porta do trem fechou, está aberta a loja do camelô!”, ou assim: “Venham conhecer as novidades que chegaram agora no shoppingtrem. Lá fora, você paga dez; aqui dentro só gasta três!”, ou então: “Minha gente, cheguei, para alegrar a minha sogra e também o paladar de vocês! Minha sogra mora comigo e só come carne de primeira, se eu chegar sem dinheiro, ela faz a minha caveira!”… e assim por diante.
A voz continua emitindo suas orientações, a mesma série de avisos; e depois que a porta se fecha, o ambulante volta a adotar sua técnica brincalhona:
“É isso mesmo, a assombração passou, está aberta novamente a loja do camelô!”.
Diante disso, os risos são inúmeros. As pessoas comem, observam, se movimentam; umas dormem, outras conversam. O espaço é curto (não a viagem), principalmente para quem se entrega a essa labuta diária. A voz estereofônica soa de novo:
“Atenção, não dê esmolas…”; e um camelô, à frente, sem segurar a língua, revida:
__É isso mesmo, minha gente: não dê esmola, não coma, não beba, não respire, não viva. Trate de pagar somente os seus impostos, e fim de linha!
