Edição n°15
Há ocorrências que causam grande indignação e levam mesmo a refletir sobre a racionalidade humana, vez que a razão é o atributo que diferencia o ser humano dos outros animais, tornando-o capaz de distinguir entre o verdadeiro e o falso, o bem e o mal, o certo e o errado… E mesmo sendo o homem dotado de tal atributo, observam-se em alguns indivíduos comportamentos e bestialidades tais que não são normais, nem mesmo para um animal irracional.
Quando se verificam tais comportamentos em um indivíduo isoladamente até se pode atribuí-los a um eventual desvio de caráter. Entretanto, quando a bestialidade é produto de ação coletiva fica difícil entender como pode ser praticada. Fica difícil aceitar a atividade monstruosa de três dezenas de seres humanos sem que alguns deles tenham lucidez suficiente para pelo menos tentar evitar que ela ocorra.
Para acontecimentos como o estupro coletivo de uma mãe adolescente de 16 anos, cometido por pelo menos 30 homens, como o que ocorreu no último sábado, no Rio de Janeiro, conforme noticiado pela imprensa, não se pode encontrar explicação. É ate difícil aceitar que não tenha havido algum equívoco, mas como o fato foi matéria de vários veículos de informação não há como atribuí-la a alguma aventura jornalística.
Ainda que se atribua tal barbaridade ao efeito de drogas, é muito difícil aceitar que num grupo tão significativo de pessoas estejam todas privadas do mínimo senso de humanidade e de valor moral. Há uma semana abordou-se neste espaço a perda de sensibilidade que vem acometendo a sociedade, o que, lamentavelmente, é confirmado por ocorrências dessa natureza.
Mas o fato em comento extrapola a perda de sensibilidade, configurando ato de brutalidade tal que não pode ser considerado normal, independentemente das circunstâncias que o cercam. Segundo reportagem (O Estado de S. Paulo, 27/05) a vítima teria sido dopada, o que acrescenta à prática do ato uma grande covardia, pois que inviabiliza qualquer possibilidade de reação.
A força do Direito possibilita à sociedade elaborar normas jurídicas para inibir a atuação da força bruta, impondo sanções à prática de atos considerados contrários ao convívio social. É de se perguntar: que tipo de sanção (pena) pode inibir a repetição de tais atos? O Direito depende da razão humana, pois é uma ciência humana. A perda da razão parece caracterizar uma insanidade. E para insanidade não há sanção jurídica. É caso de intervenção de outras ciências, como a ciência médica.
Se a perda da razão está relacionada a causas outras, como o uso de drogas, ilícitas ou lícitas, há que serem atacadas essas causas. Não se pode esperar que sanções penais, por si sós, possam inibir todas as mazelas da sociedade. Neste contexto, não há como ignorar a necessidade de reconstrução da ordem moral. Esta reconstrução está na dependência de uma nova estrutura educacional, mais adequada à atual estrutura econômica e social.
Atualmente, crianças e adolescentes não têm como contar com a educação que recebiam no lar. Ambos os pais estão preocupados em trabalhar para o sustento da família. A educação fica na dependência da estrutura estatal que não está devidamente aparelhada para esta importantíssima missão. Ou se procede a uma reformulação das políticas sociais, de uma nova base educacional, ou permanecerá a tendência de esgarçamento do tecido social. A solução passa pela atuação consciente e responsável daqueles que exercem o Poder, contando com a participação e empenho da sociedade, como já se apontou neste espaço.