Edição n° 14
Tropicou numa saliência da tampa do bueiro e, mais à frente, num ponto desnivelado da calçada. Os braços sacolejaram com o tranco e os olhos quase saltaram das órbitas. O corpo todo ficou desconjuntado e os joelhos foram ao chão. O homem me pareceu um sujeito sem sorte, desses autênticos, os chamados “azarados de berço”.
Os cadernos que ele segurava esparramaram-se pelo chão; foram três ao todo, todos de uma só vez. Após levantar-se, olhou para os lados, e via-se que estava envergonhado. O vento soprou, e foi com uma força forte e extrema. Dessa vez os cadernos esvoaçaram-se, e diversas folhas de papel rodopiaram pela calçada. Pareciam trabalhos acadêmicos e se não me engano, entre eles, havia uma conta de luz. A grandeza da manhã parecia não querer poupar de tamanha vexação, o homem. Parecia que vergavam sobre ele todos os olhares do mundo. Risos ruidosos, insensíveis, extravagantes, soavam aos seus ouvidos; estava completamente desconcertado. Se houvesse tempo choraria (e não seria pouco), mas não havia. Nem tempo, nem razão alguma para sustentar dignidade; tanto que, deixando o acabrunhamento de lado, abriu mão da bandeira do brio e pôs-se a resgatar, de pés e mãos, um pouco de tudo que havia caído. Algumas folhas já iam pela boca de um bueiro. Era uma boca enorme; e parecia que ria. O dia ria, o vento ria. Tudo ria.
Diante disso, eu, que não me considero uma pessoa propriamente sortuda _mas também não sou um desses sujeitos azarados, potencialmente falando_ apesar da cena patética que levou a tantos e tantos rirem (alguns até gargalharam), juntamente com mais três transeuntes que por ali passavam, comecei a ajudar o homem que já estava de cócoras no chão.