Negligenciando a confiança natural.

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Edição n°10

Por Dr. João Luiz Barboza

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Confiança natural

Qualquer que seja a comunidade ou país em que se vive, a coletividade se apoia em valores superiores de tal forma inquestionáveis que constituem pilares de sustentação da vida em comum, e ninguém os coloca em dúvida.

Viver em comunidade demanda a crença de que cada um e todos agem de forma a não frustrar valores sem os quais a vida se tornaria insuportável. Pode parecer que se está fazendo referência a valores éticos, porém aqui o que se deseja é apontar para algo que está acima da ética, embora na dependência também dela. A isto denominamos confiança natural.

A vida no seio da família universal humana somente se viabiliza por meio da confiança que cada indivíduo deposita no comportamento individual e coletivo e no uso adequado da técnica e da ciência apenas em favor da humanidade. Esta confiança está em cada indivíduo e o acompanha para onde quer que vá. Não carece de ensinamento específico. A agressão à confiança natural causa perturbação à tranquilidade, à ordem e mesmo à paz social. O terrorismo o sabe muito bem, e faz uso disto.

A água que se bebe, o alimento consumido, o transporte utilizado, o local frequentado, o edifício habitado e, atualmente, até mesmo o ar que se respira está na dependência da confiança que é depositada na ação de cada um. Não se poderia ficar na dependência da comprovação da higidez de tudo que se ingere, da comprovação dos cuidados técnicos e científicos empregados em tudo que se constrói. Somente a confiança natural possibilita viver com liberdade, tranquilidade e segurança.

É evidente que as forças da natureza sempre podem surpreender devido ao grau de imprevisibilidade a elas inerente. Por outro lado, quando em condições perfeitamente previsíveis, não se pode aceitar que a confiança natural seja frustrada, pois cada vez que isto acontece a insegurança e incerteza vão se instalando no universo do comportamento humano. Por isso, determinadas ocorrências chocam e provocam sentimento de indignação na comunidade nacional ou internacional conforme seja a projeção dos seus efeitos.

A queda de uma ponte ou viaduto, o rompimento de uma barreira de contenção e outras ocorrências recentes atribuídas à inobservância da boa técnica construtiva evidenciam desrespeito à confiança natural, provocando tragédias que poderiam ser evitadas.

No último dia 21, pessoas que circulavam por uma ciclovia construída na orla do Rio de Janeiro, no bairro de São Conrado, foram surpreendidas pelo desabamento de parte da estrutura, causando a morte de pelo menos duas pessoas; pessoas que simplesmente passeavam, curtiam a vida, sem que tivessem de se preocupar com a força de uma onda do mar sob a pista, pois aquela era uma obra de arte da engenharia inserida no universo da confiança natural, e certamente devia ter considerado tal possibilidade.

O acidente (?) ocorreu durante a ressaca, quando uma onda bateu por baixo da estrutura, desprendendo parte da pista suspensa da ciclovia, causando o desabamento. Parece que a ressaca não pode ser considerada imprevisível para o local, o que certamente demandava cuidados no projeto e execução para que a obra, inaugurada há apenas três meses, pudesse suportar os seus efeitos.

A vida humana é um bem cuja perda é irrecuperável. É muito preciosa para ficar sujeita à inaptidão ou irresponsabilidade de qualquer pessoa, empresa ou instituição que se ocupa da produção de bens, serviços ou meios de melhoria das condições de vida das pessoas. Negligenciar a confiança natural é desrespeitar a essência da humanidade.